sexta-feira, 9 de setembro de 2016

PROFECIAS OU “PROFETADAS”?

PROFECIAS OU “PROFETADAS”?

Por Thiago Fidelis
INTRODUÇÃO

O dom de profecia, enumerado por Paulo na lista de I Coríntios 12.8-10, nunca foi tão banalizado como nos tempos modernos. Envaidecidos pela falsa espiritualidade, crentes imaturos têm feito uso irresponsável deste dom extraordinário do Espírito. Neste cenário, onde impera o antropocentrismo e a pobreza bíblica, sobra criatividade na tentativa de oferecer à plateia um evangelho raso e nada sacrificial. Os ditos profetas, tomados pela carnalidade, agitam as multidões com mensagens falsamente inspiradas, distanciando o culto de sua proposta maior: exaltar a Deus, em Cristo Jesus, no poder do Espírito.
Em resposta a este fenômeno, apreciaremos a importância do dom de profecia para hoje, iniciando com sua definição bíblica, criticando a falsa manifestação profética neopentecostal, destacando sua finalidade e finalizando com as regras para o uso equilibrado do dom.

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A outro, poder para operar milagres; a outro, profecia...”
(I Coríntios 12.10, NVI)
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I – O QUE É O DOM DE PROFECIA?
Segundo o Dicionário Vine, o termo profecia (do grego: προφητεία = propheteia) significa “a declaração da mente e do conselho de Deus” (formado de pro, “adiante, antecipado”, e phemi. “falar”. [1]
Em outras palavras, uma profecia é uma mensagem de inspiração divina que revela antecipadamente a vontade de Deus para pessoas ou situações específicas. De maneira soberana, Deus, através da profecia, se comunica com o homem, para edificar, exortar e consolar (I Co 14.3).
O dom de profecia se expressa no Novo Testamento de maneira distinta do Antigo e, ainda no Novo, não deve ser confundido com o dom ministerial de profeta (Ef 4.11).
No Antigo Testamento, a profecia se manifestava através do ofício profético, quando pouquíssimos homens foram levantados para apregoar a reconciliação entre a humanidade caída e o Senhor (cf. Jr 1.5; Is 6.8; Ez 3.17). O profeta do Antigo Testamento era um homem que, além de transmitir a mensagem de Deus, tinha outras atribuições de ordem nacional. Na unção dos reis, eram os profetas que tinham a incumbência de derramar o azeite santo da unção sobre a cabeça dos governantes (1 Sm 16.1; 1 Rs 19.16). [2]
Já no Novo Testamento, encerra-se o ofício profético e  encontram-se  o dom espiritual de profecia e o dom ministerial de profeta. Para esclarecer este ponto, é preciso diferenciar os textos de I Coríntios 12.10 e Efésios 4.11. Escrevendo aos coríntios, Paulo exorta a que se buscasse “com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar” (I Co 14.1), uma demonstração clara da abundância e da disponibilidade do dom para todos os que o buscam. Entretanto, o mesmo não se aplica ao texto de Efésios, uma vez que o “dom de profeta”, (4.11) é dado apenas a “uns”, visando “o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério” (v. 12). 
Por seu caráter sobrenatural, a profecia deve ser uma manifestação espontânea da parte de Deus através de Seus profetas. Ao contrário do que se vê em muitas igrejas, ditas pentecostais, a Bíblia não apoia a entrega manipulada de profecias. Deus fala como, quando e por quem quer!
Uma vez definida a profecia, nos sentidos vetero e neotestamentário, prossigamos em nossa reflexão com uma crítica ao que não é profecia.
               
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“Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora.”
(I João 4.1)

II – ATO PROFÉTICO E CONFISSÃO POSITIVA: PROFÉTICOS?
Como previu Paulo, os últimos dias são tempos trabalhosos em que a sã doutrina é afrontada por homens que dão ouvidos a doutrinas de demônios (I Tm 4.1), que manipulam as Escrituras a bel-prazer, preferindo a palha seca das heresias em lugar da infalível e penetrante Palavra de Deus.
Nas últimas décadas, com o avanço do Neopentecostalismo, ventos de doutrina tem feito confusão entre o falso e o verdadeiro Pentecostalismo. Do pacote herético neopentecostal destaco duas heresias gravíssimas: o ato profético e a confissão positiva.
Segundo o movimento Reavivamento Europa, atos proféticos:
“São ações realizadas por homens, profetas de Deus com determinado sentido profético, com intuito de profetizar com ações e símbolos. São sinais que apontam para o reino espiritual e que tem consequências no reino físico. São ações expressas em atitudes e palavras.” [3]
Supostamente guiados pelo Espírito, homens organizam reuniões, congressos e campanhas, mobilizando milhares de pessoas, a fim de “trazer à existência” novas realidades espirituais, através de “sete voltas ao redor de Jericó”, declarações de posse territorial do Senhor Jesus (leia-se: “O Brasil é do Senhor Jesus”) e “transmissões de geração”, apenas para citar alguns exemplos. Envoltos em rituais carregados de símbolos e linguagem triunfalista, os difusores deste movimento, ainda que o neguem veementemente, não encontram amparo bíblico para suas práticas e, ao invés de clamar pela intervenção do Pai, como povo seu (II Cr 7.14), arrogantemente se colocam na posição de “semi-deuses”, no afã de resolver prática e miraculosamente problemas financeiros, sociais e morais de nações inteiras ou setores específicos da sociedade.
Semelhantemente, difundem a perniciosa doutrina da confissão positiva que, resumidamente, é a autoridade dada por Deus aos seus filhos para “profetizar” vitórias sobre suas vidas. Como em atos proféticos, a confissão positiva supostamente provoca o mover de Deus. Representado por conferencistas de renome, tais como os norte-americanos Morris Cerullo e Kenneth Hagin (in memoriam) e os brasileiros Renê Terra Nova e Valnice Milhomens, o movimento “Palavra da Fé” sistematiza esta doutrina pela distinção dos termos logos e rhema. Para eles, logos é a Palavra de Deus propriamente dita, enquanto o rhema é a mensagem “profética”, proferida pelos crentes, autorizada por Deus e cumprida por Ele mesmo, quando estes têm liberdade para “declarar” ou “decretar” suas bênçãos.
O Pentecostalismo Clássico, ramificação ortodoxa do Cristianismo, deve rejeitar abertamente estas práticas, pois, como crentes na atualidade do dom de profecia, os pentecostais encontram apoio para o uso equilibrado e cristocêntrico da profecia. As heresias do ato profético e da confissão positiva, assevero, em nada tem que ver com as Escrituras e sequer representam o Pentecostalismo defendido pela Assembleia de Deus e demais igrejas pentecostais históricas (incluo aqui o Pentecostalismo de “segunda onda”, a saber, as igrejas “renovadas”).

“Mas quem profetiza o faz para a edificação, encorajamento e consolação dos homens.
(I Coríntios 14:3, NVI)
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III – FINALIDADE DO DOM DE PROFECIA

Discorrendo sobre o uso da profecia no culto público, Paulo destacou três finalidades deste dom: edificar, exortar e consolar. Didaticamente, vamos definir tais finalidades.
No original grego, “edificar” (oikodomeõ – οίκοδομέω) significa literalmente “construir uma casa” [...] É usado metaforicamente no sentido de “edificar”, promovendo o crescimento espiritual e o desenvolvimento do caráter dos crentes através do ensino ou do exemplo, sugerindo tal progresso espiritual como resultado de trabalho paciente. (VINE, p. 583)
A edificação que a profecia promove é a transmissão de ensino, a fim de fazer crescer os que a recebem. O Espírito Santo, utilizando esta operação, anuncia à Igreja verdades espirituais que, obviamente, só poderiam ser ditas sob seu impulso. Notamos, contudo, uma má interpretação cessacionista acerca deste ponto. Para os anti-pentecostais, a profecia fere o Sola Scriptura (“Somente as Escrituras”), pois colocaria as manifestações espirituais em pé de igualdade com as Escrituras. Negamos que isso seja verdade. Embora o Espírito que inspirou as Escrituras seja o mesmo que usa os crentes em profecia, a mensagem profética não equivale à Palavra de Deus, pois, enquanto a profecia é temporal, a Palavra é eterna. Enquanto uma diz respeito exclusivamente a pessoas específicas, a Bíblia guia, infalivelmente, a Igreja do Senhor, em todos os tempos e circunstâncias. Saiba mais no próximo tópico.
Exortar, do grego “parakaleõ” (παρακαλέω), “chamar uma pessoa” (formado de para: “para o lado", e kaleõ: "chamar”), denota: (a) “chamar, pedir, invocar"; (b) “admoestar, exortar, instigar” a pessoa a buscar algum curso de conduta (sempre prospectivo, olhando para o futuro [...]) (VINE, p. 635).
A exortação profética cumpre o papel de alertar ou orientar a Igreja acerca de situações futuras, isto é promessas condicionais ou convocação à reconciliação. Desta forma, uma exortação é o conjunto de palavras de despertamento e reflexão, vindos do Senhor, a fim de que Sua Noiva se posicione em relação aos mistérios revelados através do profeta. Quantas vezes não vimos Deus utilizar servos cheios do Espírito para alertar e consertar a Igreja?
Por fim, consolar, do grego “paramutheomai” (παραμυθέομαι), denota “falar ternamente com”. Enquanto a exortação diz respeito às coisas futuras, a consolação é a atuação profética nas lembranças e provações vividas. É através da consolação que o Divino Consolador, pelos profetas, verte o bálsamo da paz sobre nossos inquietos corações. Quando cansados pelos percalços do estreito caminho da fé, Deus acha por bem nos tocar com suas Doces Consolações, dando-nos a certeza de que Ele, como Pai Amoroso, tem sempre o melhor para nós. Aleluia!
Pela edificação, Deus nos faz crescer; pela exortação, nos aproxima dEle; pela consolação, nos acalenta.


“Que fareis, pois irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação.”
(I Coríntios 14.26, ARC)
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IV – DO USO EQUILIBRADO DA PROFECIA
A Bíblia, nosso infalível manual de fé, regula perfeitamente o dom de profecia. Analisemos, pois, algumas orientações:
a)  Toda profecia deve ser testada (I Co 14.29; I Ts 5.20,21)
É preciso ter muita prudência ao ouvir e aprovar uma profecia, mormente por causa dos desvios doutrinários modernos. No meio evangélico circula o jargão “Não toqueis no ungido”. Distorcendo completamente o sentido de textos como I Crônicas 16.21-22 e I Samuel 24.6, falsos pentecostais “matam e morrem” por manipuladores de mente que lhes entrega mensagens agradáveis aos ouvidos e lhes ilude com promessas que o Senhor jamais fez. “Não desprezeis as profecias”, disse Paulo. E, assim como nos orienta o apóstolo, não é correto negligenciar as profecias, mas ouvir tudo com bastante discernimento e, finalmente, dar crédito ao que vier da parte de Deus.
b)  A Igreja deve estar atenta ao cumprimento das profecias
A profecia inspirada por Deus reflete o caráter verdadeiro de quem a mandou entregar: o Senhor, pois, Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem para que se arrependa. O que fala se cumpre e o que fala, confirma. (Nm 23.19)
Não se deve testar uma profecia observando o status do profeta, muito menos sua habilidade em emocionar a igreja, senão conferindo o cumprimento de suas palavras. Deus é fiel ao que diz e vela para cumprir Sua Palavra! (Jr 1.12)
c)   Toda profecia deve glorificar a Deus e Sua Palavra
A Lei Mosaica condenava à morte todo profeta que levasse o povo a servir a outros deuses (Dt 13.1-3,5). Semelhantemente, no Novo Testamento, falsas profecias trazem morte e condenação sobre aqueles que nelas confiam (II Pe 2.1).
A palavra profética, como já destacamos, nos aproxima do Senhor e nos leva a cumprir sua vontade. As profecias são espontâneas e Deus só se manifesta através delas quando Ele julga necessário.
Lembro-me de uma profecia que recebi alguns anos atrás pela qual o Senhor, entre outras coisas me dizia: “Coma a Palavra.”
Como pode ter sido esta mensagem falsamente inspirada, se apenas me provocou mais desejo de buscar ao Senhor e provocou tantos avanços em minha espiritualidade? Se não fora o Senhor quem falou, quem o disse?
Somente a frieza da tradição poderia tentar restringir o mover do Espírito ao primeiro século e nega-Lhe o direito de continuar operando no meio do Seu povo.

CONCLUSÃO
Ainda hoje, Deus tem prazer em derramar dons espirituais sobre a Igreja. Porém, a Noiva do Cordeiro não pode vacilar no uso destas dádivas, uma vez que as recebeu para seu próprio crescimento. Jamais deveríamos rejeitar a atualidade do dom da profecia, pois negaríamos a nós mesmos uma poderosa ferramenta de impacto, iluminação e refrigério. Assim, rechacemos os engodos do Cessacionismo e do Neopentecostalismo. Que preguemos a Palavra, que utilizemos os dons!


Sobre o autor: Thiago Fidelis é bacharelando em Relações Internacionais (Faculdade Damas) e membro da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Recife – PE, onde coopera com a mocidade nos departamentos de evangelismo, ensino e música.
 Bibliografia
[1] VINE, W.E; UNGER, Merrill F.; WHITE JR., William. Dicionário Vine. Rio de Janeiro, CPAD, 2002. p. 902
[2] RENOVATO, Elinaldo. Dons espirituais & ministeriais: servindo a Deus e aos homens com poder extraordinário. Rio de Janeiro, CPAD, 2014. p. 83
Acessado em: 06/09/16


3 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo, muito sóbrio e esclarecedor.

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    1. Glória a Deus! Fico feliz que tenha sido edificado. A paz do Senhor!

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    2. Glória a Deus! Fico feliz que tenha sido edificado. A paz do Senhor!

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