quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Serie: Armínio calvinista? Uma analise dos argumentos que tentam provar o suposto calvinismo de Armínio. Segundo argumento: O argumento da Carta de Beza e o Poema de Arminio.

Segundo argumento: A carta de Beza e o poema de Armínio



Texto: Pr. Anderson de Paula
Revisão: Jefferson G. Acunha-Acuña

 O próximo argumento a ser analisado diz respeito à carta de recomendação de Beza ao pastorado de Armínio e ao poema que Armínio escreveu elogiando a  genialidade de seu professor. Antes de entrarmos na refutação  faz-se necessário apresentar  tanto a carta de Beza como o poema de Armínio. Tendo feito isto, apresentar-se-á o entendimento dos defensores da “calvinicidade” de Armínio sobre esses dois escritos, primeiro pela análise da carta de Beza e, posteriormente, pela análise do poema de Armínio.

Carta de Beza indicando a Armínio

“Resumindo tudo, então, em poucas palavras: que saibais vós que desde a época em que Armínio retornou a nós de Basileia, tanto sua vida como seu aprendizado tem nos sidos tão aprovados, que esperamos o melhor dele em todos os aspectos, caso ele firmemente persista no mesmo curso; o que, pela benção de Deus, não duvidamos que persista; pois, entre outros dotes, Deus lhe dotou com um intelecto apto tanto à apreensão quanto e discriminação das coisas. Se tal, de agora em diante, for regulado pela piedade, a qual ele parece assiduamente cultivar, só resta a esse poder de intelecto, quando consolidado pela idade madura e pela experiência, produzir os mais ricos frutos. Tal é nossa opinião de Armínio – um jovem digno de nossa gentileza e liberalidade.”[1]

O poema de Armínio em homenagem a Beza

O Retrato de T. Beza

“Por que estás maravilhado ao olhar a face do homem
que te é permitido ver apenas em desenho?
Tu nunca serias capaz de imaginar por ti mesmo,
não importa quão atentamente tu visses com admiração a mente maravilhosa
que os escritos do homem retratam.
Que tu possas ao mesmo tempo vê-la
e, ao ver, moldar sua mente à dele.”[2]

Os textos supracitados serviriam de base, pois, ao segundo argumento dos defensores da “calvinicidade” de Arminio. É de extrema importância olhar de modo crítico, para que se possa entender se, mediante a sua correta interpretação, elas realmente provariam o suposto calvinismo de Armínio.

2.1 Análise da Carta de Beza

É muito interessante que Beza, o sucessor de Calvino, tenha recomendado Armínio, o qual iria se constituir no principal antagonista da doutrina calvinista.
Para autores e estudiosos como Caspar Brandt (1653-1696), a carta de recomendação de Beza poderia ser considerada como prova de um suposto posicionamento calvinista por parte de Armínio, sustentado pelo teólogo ao menos até o ano de 1585, ano de escrita da carta.

Para Caspar Brandt (1653-1696)[3]  ao citar essas referencias conclui da seguinte maneira:

“Nada apareceu a Armínio como maior relevância, enquanto em Genebra, do que conciliar o interesse e a afeição de Beza em seu favor, tanto quanto esperava, por meio de suas conversas e comunicações, para se tornar não apenas um homem mais erudito e educado, mas também, melhor e mais sábio. Pois, com a máxima seriedade, esse teólogo excedia seus companheiros em persuasão de fala, e em presteza e perspicuidade de discurso; ao mesmo tempo em que seu aprendizado e suas realizações  na sagrada literatura eram profundos e extraordinários. Com ouvidos atentos, Armínio bebia em suas palavras; com ávida assiduidade, ele se prendia ao que era dito; e, com intensa admiração, ele escutava sua exposição do nono capitulo de Romanos[4]

A passagem supracitada tem levado alguns autores a aderirem às observações de Brandt. No entanto, segundo Bangs (1922-2002), tal carta não poderia ser usada para provar a calvinicidade de Armínio, sendo tão-somente um elogioso documento de caráter recomendatório. De fato, este autor pede ao leitor que:

“... Observe bem que Beza recomenda Armínio por sua habilidade e diligência, mas nada é dito sobre sua teologia e nem mesmo por sua piedade. Ele expressa esperança de que o crescimento continuado produzirá “os mais ricos frutos”. Nada é dito a cerca da predestinação. Armínio semelhantemente, elogia  Beza por uma mente brilhante que é digna de emulação por parte do Aluno. Nada a cerca da predestinação.[5]

Nota-se que Armínio é elogiado por sua habilidade e sua diligência, o que apenas demonstra que o teólogo era um aluno aplicado e dedicado aos estudos, além de ser destacadamente inteligente e perspicaz, em comparação com os seus colegas. Porém, observe-se que Beza não o elogia por sua Teologia, não tendo feito menção alguma a quaisquer posicionamentos teológicos assumidos pelo seu pupilo, o que, definitivamente, invalida a tese de que, pela carta de Beza, poder-se-ia concluir que Armínio teria sido calvinista. De fato, o próprio Armínio nos seus escritos, tendo abordado as controvérsias teológicas nas quais esteve envolvido, jamais mencionou em nenhuma linha sequer algo acerca de uma mudança de posicionamento teológico da sua parte. Ademais, nos seus escritos, teceu severas críticas à predestinação sustentada por Calvino e Beza, tal como nos seus debates, através de cartas, com Francisco Junius (1545-1602), nos quais, acerca da predestinação calvinista, afirma que:   

“Uma teologia pela qual Deus é considerado, necessariamente, o autor do pecado deve ser repudiada por todos os cristãos e, na verdade, por todos os homens, pois nenhum homem pensa que o ser a quem considera divino é mau, no entento, segundo a teoria de Calvino e Beza, Deus é, necessariamente, considerado o autor do pecado, portanto, essa teoria deve ser repudiada.”[6]

Estes debates demonstram claramente que Armínio jamais fora adepto da predestinação calvinista, não se achando neles (tampouco nas obras completas de Armínio) nada que comprove uma suposta mudança do seu posicionamento acerca da questão. Ao contrário, o que se poderia supor seria que Beza, na sua carta, ao expressar o desejo de que o seu aluno mais brilhante viesse a produzir os “mais ricos frutos”, estivesse se referindo a uma esperada adesão do seu aluno ao seu ponto de vista soteriológico.


1.2 Analise do poema de Arminio para Beza.


O poema escrito por Armínio tampouco fornece qualquer base para que se afirme ter sido o aluno (Armínio) tão calvinista quanto o seu professor (Beza), demonstrando simplesmente a gratidão de Armínio a Beza, professor cuja mente lhe parecia brilhante. Pelo poema, pode-se perceber também quão fascinante era, para Armínio, poder ver com os seus próprios olhos um dos homens que, juntamente com Calvino, reformaram a cidade genebrina. Não há, desta forma, nada no aludido poema que se refira à predestinação, às suas controvérsias ou mesmo a alguma suposta concordância entre “aluno” e “mestre” – supô-lo, pois, seria algo por demais pretencioso, senão fantasioso.

Bangs (1922-2002) evidencia com clareza a não adesão de Armínio à Teologia de Beza ao dizer que:

“Jacobus Triglandius, crítico veemente dos primeiros remonstrantes, tentou sustentar que Armínio e Uitenbogaert esconderam de Beza as suas verdadeiras opiniões. Não há necessidade para essa hipótese; na verdade, há evidência disponível contrária a ela. As visões de Uiternbogaert (amigo íntimo de Armínio) eram conhecidas durante sua estada em Genebra e, em um período tão tardio quanto 1595, Beza e Vorstius mantinham relações cordiais.”[7]

Desta forma, as palavras de Bangs comprovam o fato de que as posições de Armínio e de ao menos um dos seus amigos já eram conhecidas na Genebra de Beza, o que, contudo, não impediu que Armínio admirasse o seu professor e tampouco que o seu professor achasse nele brilhantismo acadêmico.

Conclusão.

Pelo presente estudo, demonstrou-se que não se pode utilizar a carta de Beza e o poema de Armínio à Beza para se construir argumentos pelos quais se pudesse afirmar que Armínio teria sido um calvinista. Ao analisar tais documentos, pode-se aprender uma lição de cordialidade cristã: pessoas de posicionamentos teológicos distintos podem se admirar, apreciar e respeitar-se mutuamente.









[1] Teodoro de Beza para Amsterdã,Carta de 3 de Junho de 1585, citado em Bangs pagina 84
[2] The Lafi of Arminius, pagina 44, 45.
[3] Escritor do livro The Lafi of Arminius
[4] The Lafi of Arminius pagina 44 – 45 (também citado em Bangs, Carl, um estudo da historia holandesa pagina 85).
[5] Bangs, Arminio, um estudo da reforma Holandesa, pagina 86
[6] Obras de Arminio volume 3 pagina 96, 97.
[7] Bangs, Carl Um estudo da reforma Holandesa (ano, etc.), página 86.