quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Serie: Armínio calvinista? Uma analise dos argumentos que tentam provar o suposto calvinismo de Armínio. (primeira parte)

Armínio calvinista? Uma analise dos argumentos que tentam provar o suposto calvinismo de Armínio.


Por: Pr. Anderson de Paula
Revisao e edição: Prof. Jefferson G. Acunha-Acuña

                    Muito se tem discutido sobre o fato de Armínio ter sido ou não calvinista. Atualmente, há uma série de afirmações, nos meios digitais, enfatizando a “calvinocidade” de Armínio. Os argumentos usados são vários, no entanto, teriam validade? Armínio teria sido um ex-calvinista, tendo abandonado as suas convicções soteriológicas iniciais após ter estudado as teses de Coornhert? Ou, ainda, teria Armínio morrido calvinista, como apontam alguns estudiosos? Neste breve trabalho, serão apresentados e refutados os principais argumentos que apontam para um suposto calvinismo de Armínio.

Primeiro argumento: Arminio era calvinista até ser chamado pelo consistório de Amisterdã para refutar Coornhert, mas após Arminio ter analisado os escritos de Coornhert, acabou concordando com este autor, abandonando o calvinismo.

É muito importante analisar o contexto no qual surgiu essa ideia acerca de Armínio ter abandonado o seu calvinismo. As primeiras biografias de Armínio foram feitas no seu funeral por Petrus Bertius, seu amigo e, posteriormente, pelo remonstrante Caspar Brandt. Ambos descrevem o caso de Coornhert, tecendo comentários sobre o suposto abandono de Armínio da soteriologia calvinista. Bertius menciona que:

“Certos bons irmãos que pertenciam a igreja de Delft tinham circulado um panfleto intitulado ‘Uma resposta a Alguns dos argumentos aduzidos por Beza e Calvino, de um tratado concernente a predestinação, acerca do nono capitulo de Romanos’. Martinus Lydius, um ex-ministro em Amsterdã e desde 1583 um professor na nova academia ou universidade em Franeker, na Frísia, enviou uma cópia a Arminio, com um pedido para que este, que acabara de voltar de Genebra, defendesse Beza. Isso Arminio ficou satisfeito em fazer e se propôs a fazer um estudo detalhado, completo em preparação para essa tarefa. Quando Arminio estava planejando uma refutação e acuradamente pesando os argumentos de ambos os lados e comparando os mesmos com a Escritura, Ele, Arminio, foi vencido pela força da verdade a quilo que avia sido incumbido de refutar...”[1]

Este relato de Bertius vem sendo usado por vários estudiosos para endossar a afirmação de que em algum momento Armínio teria sido calvinista. Bangs[i] (1922-2002), no entanto, afirma não haver comprovação da data em que teria ocorrido o debate citado por Bertius. Ademais, para além de Bertius e Brandt, não há outra fonte segura na qual tenha sido citado tal debate.

A opinião de Carl O. Bangs


É muito importante colocar que Bangs relata o evento supracitado chamando-o de “conto”, mencionando alguns fatos históricos do que havia coletado na sua pesquisa, mostrando o porquê de discordar do suposto calvinismo de Armínio. Desta forma, Bangs afirma que:

“Por trás desse ‘conto’ de Bertius existem alguns ‘fatos’. Os escritores de Delft eram dois ministros, Arent (Arnold) Cornelisz. e Reynier Donteklok. Em 1578, em Leiden, eles haviam debatidos questões sobre predestinação e a sentença de morte para hereges com o crítico do calvinismo, o humanista Dirck Volckertsz Coornhert. Foi sob esta pressão que eles sentiram necessidade de modificar o calvinismo rígido de Beza. O livro que eles escreveram, a saber, Responsio ad argumenta quaedam Bezae ET Calvini ex tractatu de praedestinatione in cap. IX ad Romanos, havia aparecido em 1589. Foi uma dentre outras várias tentativas de refutar o problemático (para os calvinistas) Coornhert. Na verdade, de acordo com Caspar Brandt, o próprio Consistório de Amsterdã pediu a Armínio pera escrever uma refutação e o fracasso de Armínio em escrever tal refutação foi causado pela intervenção de Lydius com seu pedido para uma refutação dos ministros de Delft. Os escritores posteriores geralmente, de maneira descuidada, misturam estas histórias para, às vezes, afirmar que Armínio estava tentando refutar Coornhert e que passou para o lado do humanismo de Coornhert”.[2]

De fato, pediu-se a Armínio que refutasse Coornhert, o que, no entanto, de modo algum provaria o calvinismo de Armínio, pois Coornhet era humanista, o que por si só poderia ter sido motivo para que Armínio aceitasse refutá-lo. Porem vamos continuar a mostrar a opinião de Bangs:

“Antes de tentar avaliar a história, outra prova disponível deveria ser considerada. Em março de 1591 Armínio escreveu uma carta para seu velho amigo e professor na Basileia, Grynaeus. ‘Há muita controvérsia entre nós acerca da predestinação, pecado original e livre-arbítrio’, ele diz. Alguns se referem ao decreto da predestinação para aqueles que ainda não caíram, na verdade nem ainda criados (supralapsarianismo), em todo o caso tornando alguns homens já responsáveis pela condenação. Isso nos leva a pergunta do livre-arbítrio. Ele atua nos não regenerados? Na conversão o livre-arbítrio é ativo ou passivo? Se é passivo, ele tem o poder de efetuar a conversão; se ativo, ele vem antes ou segue após o agir divino? Mas as conclusões sobre o livre-arbítrio se apoiam em visões do pecado original. Armínio relata que estão debatendo se o que vem primeiro é a culpa ou a depravação. Então ele faz uma declaração surpreendente: ‘Nossos oponentes, que são numerosos aqui, negam completamente o pecado original’. Os oponentes de Armínio rejeitam o pecado original e eles são muitos. Quem são eles? Fica óbvio que Armínio aqui não está se referindo aos oponentes como sendo os calvinistas. Seus oponentes são os simpatizantes do humanista Coornhert (que faleceu em 27 de outubro de 1590), os então denominados “Libertinos” que se aliaram aos calvinistas em oposição política à Espanha, mas que se opunham aos calvinistas em questões de dogma...”[3] 

Armínio escreve uma carta endereçada ao seu professor na Basileia ...sobre a negação do pecado original por parte dos seus oponentes, os quais, logicamente, não eram calvinistas. Contudo, o posicionamento dos seus oponentes provaria a suposta posição calvinista por parte de Armínio? Ora, não se pode estender uma posição singular de discordância a todas as possíveis discordâncias que poderiam existir entre dois ou mais indivíduos, portanto, o fato de Armínio dizer que os seus oponentes não aceitavam o pecado original não seria prova de um suposto calvinismo da sua parte, podendo, no máximo, servir como comprovação da sua postura protestante reformada. Nesta mesma linha de raciocínio, Bangs afirma que:


“Mas o que dizer do próprio Armínio? Se seus oponentes eram os humanistas, ele era calvinista? Se calvinista, ele era supralapsário ou sublapsário? Ele diz a Grynaeus que ele estava estudando diligentemente as Escrituras e que havia chegado a uma afirmação que não o desviaria e nem o levaria a enganar a outras pessoas. ‘Creio que nossa salvação repousa unicamente em Cristo que obtemos a fé para perdão de pecados e a renovação de vida somente através da graça do Espírito Santo’. É uma posição que não é libertina [ou seja, não é a posição de Coornhert], não é supralpsária e nem é sublapsária. A disposição da carta é de surpreender que tais sutilezas sejam levantadas e que uma ou outra posição deva ser mantida como a verdadeira doutrina. É entre esse fogo cruzado de várias opiniões que ele busca instrução de Grynaeus; na verdade, parece que ele busca apoio contra todas as posições propostas”[4]

Arminio discordava tanto dos humanistas, como também do calvinismo. Ao dizer que “nossa Salvação repousa em Cristo” e que “a fé e a renovação da vida é possível apenas pela Graça do Espirito Santo”, Armínio posiciona-se contra o humanismo, o que não comprova a suposição de ter sido calvinista. Nada nesta carta sugere uma aceitação do calvinismo por Armínio, mostrando apenas que o teólogo estava sob “fogo cruzado”, disposto tanto a refutar aos humanistas quanto aos calvinistas “da predestinação”.

Em 1591 Arminio prega sobre o sétimo capítulo de Romanos e a sua análise do texto incomoda a muitos ministros calvinistas, atraindo para si a ira deles. É interessante notar que neste mesmo ano Armínio escreve ao seu professor a carta citada por Bangs, o que reitera a sua discordância dos grupos humanista e calvinista. Acerca deste fato, Bangs diz que:  

“Por fim, há algumas evidências negativas ou argumentos significativos do silêncio em relação a história de Bertius acerca de uma transição teológica em 1591. Primeiro não existe evidência clara de que Armínio jamais tenha aceitado a doutrina beziana de predestinação e seus pontos relacionados. Segundo, Armínio não diz ter experimentado uma transição teológica. Ele constantemente retrata a si mesmo como ensinando uma posição primitiva na igreja e que é amplamente defendida entre pastores reformados nos Países Baixos. “Ele vê seus oponentes como inovadores, não ele”.[5]

                  Portanto, não há sequer uma prova documental de uma suposta mudança de posicionamento soteriológico por parte de Armínio, pela qual se poderia afirmar que a sua posição teria sido a de Beza. Desta forma, deve-se aceitar tal ideia como sendo uma espécie de mito, pois Armínio constantemente afirmava ensinar à igreja uma soteriologia cristã primitiva, defendida por vários pastores nos Países Baixos de então. As citações acima do seu biógrafo Bangs deixam claro, pois, o posicionamento não calvinista de Armínio. Deste modo, Bangs ainda afirma que:

“Todas essas evidências nos levam a uma conclusão: a saber, que Armínio não estava de acordo com a doutrina de predestinação de Beza quando ele iniciou seu ministério em Amsterdã; na verdade, ele provavelmente jamais concordou com ela. A questão jamais havia sido levantada de maneira nítida para ele, todavia, até os eventos que foram relatados aqui, no momento que ele tomou uma posição específica contra tanto as posições calvinistas propostas, o supralapsarianismo e o sublapsarianismo”[6]

“Todavia, uma objeção deve ser feita. Por que pediram para que Armínio refutasse Coornhert e os ministros de Delft? No caso de Lydius pode ter sido falta de informação. Ele poderia facilmente ter presumido que o recente aluno do famoso Beza era discípulo do mesmo. Os ministros de Amsterdã, por outro lado, ou principalmente Plancius, podem ter escolhido Armínio pela hostilidade, esperando coloca-lo em uma posição difícil, pois eles fizeram uso dessa tática em pelo menos uma ocasião depois dessa. Seja lá qual foi o motivo, o resultado foi obtido”[7]

Assim, entende-se que o argumento da possível mudança teológica de Arminio não passaria de um mito carente de comprovação histórica. Ao afirmá-lo, no entanto, não se pretende jamais menosprezar as tentativas de se provar o suposto calvinismo de Armínio, porém, até hoje, não se achou registro histórico ou biográfico que pudesse comprovar tal tese, conforme Bangs e outros teólogos que já se dedicaram a pesquisar esta questão.



[1] Bangs, Arminio, Um Estudo da Reforma Holandesa. Pagina 57 e 58, lançado em português  pela editora Reflexao em 2015.
[2] Ibird, Pagina: 58
[3] Ibird, Pagina: 58 e 58
[4] Ibird, pagina 59
[5] Ibird, pagina 60
[6] Ibird, pagina 60
[7] Ibird, pagina 61



[i] Carl O. Bangs é o maior biografo de Arminio e, é tido como referencia no meio acadêmico. Seu livro “Arminio um estudo da reforma Holandesa” é fonte de consulta para obras de respeitados historiadores.

domingo, 2 de outubro de 2016

A BÍBLIA É INERRANTE OU INFALÍVEL?


A BÍBLIA É
INERRANTE OU INFALÍVEL?
ROGER OLSON


 Recentemente me pediram para explicar a diferença entre inerrância bíblica e infalibilidade bíblica. Afirmo a infabilidade da Bíblia, mas nego sua inerrância. A explicação completa daria um livro, então esse será um breve resumo da explicação.

Compreender a diferença entre os dois conceitos, ao menos como eu entendo, requer compreender a diferença entre duas interpretações da inspiração da Bíblia. Alguns teólogos evangélicos (e outros) afirmam que a inspiração (theopneustos) refere-se às palavras da Bíblia – que elas são de alguma forma “expiradas” por Deus. Na verdade, isto é uma metáfora, mas a questão é que para eles a inspiração bíblica mencionada em 2 Timotéo 3:16 refere-se às próprias palavras da Escritura. Outros teólogos evangélicos (e outros) afirmam que a inspiração refere-se aos autores humanos da Escritura. Em outras palavras, 2 Timotéo 3:16, especialmente à luz de 2 Pedro 1:21, expressa o processo pelo qual o Espírito Santo expirou nos autores da Bíblia as ideias que o Espírito queria que eles tivessem e comunicassem. 

Assim, em suma, há uma subjacente diferença de opinião entre teólogos acadêmicos quanto a inspiração e como a mesma trabalhou produzindo a Escritura. A primeira opinião, que enfatiza a inspiração das palavras, é conhecida como “inspiração verbal plenária.” O segundo ponto de vista, que enfatiza a inspiração dos autores, é conhecida como “inspiração dinâmica.” Os defensores da inspiração dinâmica argumentam que a inspiração verbal plenária não pode ser distinguida do ditado divino e que não explica, por exemplo, desejos ofensivos do Apóstolo Paulo que seus oponentes Judaizantes nas igrejas da Galácia fossem cortados (Gálatas 5:12) ou os Salmos imprecatórios. Que também não pode explicar as frases inacabadas de Paulo. Em outras palavras, de acordo com os partidários da inspiração dinâmica, o fenômeno da Escritura não dá apoio à inspiração verbal plenária.

Muitos, não todos, defensores da inspiração verbal plenária também afirmam a inerrância da Bíblia, mas apenas nos autógrafos originais – que já não existem (até onde se sabe). Eles reconhecem que existem erros, discrepâncias nos melhores manuscritos e em todas as Bíblias conhecidas. Outros argumentam que estes não são erros verdadeiros e que eventualmente serão explicados e que, nesse ínterim, devemos desconsiderá-los e aguardar por mais esclarecimentos obtidos dos estudos bíblicos. O The Chicago Statement on Inerrancy, produzido pelo International Council on Biblical Inerrancy, liderado dentre outros por James Montgomery Boice (que foi meu professor de homilética no seminário e pastor da Tenth Presbyterian Church of Philadelphia) atestou a “inerrância bíblica.” Muitos de nós, teólogos evangélicos estudiosos da Bíblia, consideram suprimir a inerrância, de forma que no Statement, “inerrância” não seja mais o termo para se referir a exatidão da Escritura. Em outras palavras, acreditamos que seu sentido e significado comum, aquilo que a maioria das pessoas modernas pensam do que significa “inerrância”, seja diferente até mesmo do que os autores e signatários do Statement quiseram dizer. Além disso, muitos evangélicos conservadores que defendem a inerrância bíblica admitem que somente os autógrafos originais, os manuscritos produzidos por exemplo, pelos profetas e apóstolos, eram inerrantes. Aqueles de nós que têm dificuldades com a palavra “inerrância” para com a exatidão e autoridade da Bíblia, se preocupam, sendo o caso, como dizem os defensores da inerrância – que a autoridade bíblica exige inerrância bíblica – assim sendo, nenhuma Bíblia é autoritativa. É uma questão lógica.

A The National Association of Evangelicals Statement of Faith não afirma a inerrância Bíblica; ela afirma a infabilidade bíblica – por justa razão. Para muitos dos fundadores, especialmente aqueles na tradição Wesleyana, não ancorados teologicamente no escolatiscismo Reformado da Old School Princentonn Theology (ex., Francis Turrentin, Charles Hodge e Benjamin Breckenridge Warfield), a inerrância não era uma vaca sagrada e raramente era usada para descrever a autoridade e exatidão da Bíblia. Assim, o Statement of Faith afirma a infabilidade da Bíblia – um termo mais amplo que todos os evangélicos podem afirmar. Para a maioria das pessoas, pessoas nos bancos e muitos púlpitos, a “inerrância bíblica” significa algo que até mesmo seus estudiosos bíblicos e teólogos não tencionam dizer. Mas eles não sabem disso. Elas, as pessoas nos bancos e púlpitos, pensam que “inerrância” significa que nossas melhores traduções da Bíblia, ou ao menos os melhores textos da Bíblia em línguas originais, não contém nenhum erro ou discrepâncias de qualquer tipo. Por trinta e oito anos tenho por hábito ler para os alunos de teologia as designações de “inerrância” expressas no Chicago Statement e nos livros textos de proeminentes teólogos evangélicos conservadores e peço para eles comentá-los. (Um proeminente teólogo evangélico conservador diz que a “inerrância bíblica” é compatível com “o uso inerrante de fontes errantes” por autores bíblicos!). Os alunos quase escarneceram da pessoa que definiu “inerrância” com essa expressão quando foi assim descrita. Eles afirmam que esta – “inerrância” como explicada e qualificada pelo Chicago Statement e por lideranças acadêmicas evangélicas conservadoras e teólogos – não é o que seus pastores, pais, professores de Escola Bíblica Dominical os ensinaram sobre “nossa Bíblia inerrante”. O que foi ensinado a eles é que “inerrância” significa que não há discrepâncias de qualquer tipo nas Bíblias que temos hoje – desde que sejam boas traduções.

O problema que aponto aqui é que existe uma tremenda diversidade de opiniões entre os evangélicos conservadores a respeito da “inerrância bíblica”. Um ponto divergente é aquele entre os acadêmicos evangélicos conservadores que afirmam e defendem o conceito e seus próprios leitores. Suspeito que, se os leitores realmente soubessem o que seus próprios acadêmicos evangélicos conservadores e teólogos realmente querem dizer por “inerrância bíblica” eles ficariam chocados e desolados. 

E ainda, até mesmo entre os acadêmicos evangélicos conservadores de mais alto nível e teólogos, não há entendimento uniforme sobre “inerrância bíblica.” As definições, descrições e qualificações variam enormemente entre eles. Uma vez enviei a Carl F. H. Henry, o “decano dos teólogos evangélicos” e forte defensor da inerrância bíblica, uma cópia de um ensaio de duas páginas definindo “inerrância bíblica” escrito (não copyrighted) por um outro bastante conhecido teólogo evangélico conservador. Não mencionei o nome dele; simplesmente pedi a Henry se ela achava adequado. Ele respondeu (e eu ainda guardo sua carta) que não é adequada. E ambos eram membros com boa reputação na Evangelical Theological Society que exige para afiliação em seus quadros que seus membros afirmem a inerrância bíblica! 

Então o que significa “infabilidade bíblica” e como se difere da “inerrância bíblica?” Eu compreendo que alguns filósofos evangélicos argumentam que elas são linguisticamente idênticas; eu discordo. Anos atrás, lembro (eu não tenho mais o livro) que li um livro de um teólogo-acadêmico evangélico Reformado chamado Harry R. Boer com o título Above the Battle: the Bible and its Critics publicado em 1977 – um ano após o livro bomba de Harold Lindsell The Battle for the Bible ter sido publicado. (Lindsell argumentou que a afirmação da inerrância bíblica é necessária para a autêntica fé evangélica – algo que até mesmo Carl Henry negou!) Boer, eu lembro, foi o primeiro teólogo que conheci (enquanto eu estava no seminário) que diferenciou inerrância bíblica e infabilidade bíblica. Desde então tenho lido outros.

Quando digo que a Bíblia é “infalível” eu quero dizer que ela não pode falhar em comunicar a verdade de que precisamos de Deus para sermos salvos e transformados. Quero dizer que é a única mensagem inspirada de Deus para a humanidade que infalivelmente revela a identidade de Deus, caráter e vontade e caminho para a salvação. “Infalível” significa “incapaz de falhar”. Em outras palavras, para mim, quando eu digo que a Bíblia é “infalível”, eu quero dizer que ela é “perfeita com respeito ao propósito”. John Piper, em um ensaio que pode ser acessado em seu web site, define inerrância desse modo – como “perfeita com respeito ao propósito.” Eu acho que esta não é uma boa definição ou descrição de inerrância. Inerrância implica muito mais que isso – pelo menos para a pessoa no banco. Acho que minha opinião sobre a autoridade e exatidão da Escritura não é muito diferente da de muitos evangélicos conservadores que afirmam e defendem a “inerrância bíblica!” A nossa diferença (naqueles casos) tem a ver com semântica. Penso que “inerrância” comunica uma ideia da Bíblia que não é verdadeira quanto ao seu real fenômeno e a maioria dos evangélicos conservadores sabem disso e assim eles  designam “inerrância” a morte enquanto insistem na palavra como um tipo de chibolete para decidir quem está “com” e quem “está fora” do seus círculo de evangélicos.  A ironia é que até mesmo dentro do círculo aprovado por eles existe tremenda diversidade de opiniões a respeito do que “inerrância” significa!

Alguns anos atrás, eu troquei uma longa série mensagens de e-mails com o decano de um seminário evangélico muito conservador. Como isso aconteceu é para mim uma anedota. O então presidente da ETS me convidou para falar na sessão plenária da assembleia anual nacional da ETS que aconteceria no ano seguinte. Após lhe explicar que eu nunca havia sido membro do ETS e que não afirmava a inerrância bíblica, mas que eu afirmava a inspiração e a infabilidade, ele, mesmo assim, fez-me o convite. Eu aceitei. Então, passei a receber dele mensagens de e-mails que ele enviava para o comitê executivo do ETS – cuja a maioria dos membros eu conheço. Eles, os membros do comitê executivo, não notaram que o presidente incluiu meu endereço de e-mail entre os deles nessas trocas de mensagens. Ele anunciou que eu falaria na plenária do próximo congresso nacional do ETS. Os membros do comitê,  responderam a mensagem do presidente com “responder a todos”, não notando que eu estava entre os “todos”, e protestaram contra o convite do presidente – alegando que eu, dentre outras coisas, sou um “Barthian” e não um verdadeiro evangélico, etc. Alguns de seus comentários a meu respeito eram inverídicos e injustos. Um dos mais agressivos foi de um membro do Wheaton College. Meu antigo colega e decano da faculdade e seminário onde eu havia ensinado foi outro que falou somente coisas ásperas sobre mim e minha orientação teológica. Então, eu teclei “responder a todos” e desafiei o que eles diziam a meu respeito. É claro, eu fui imediatamente removido da lista de correspondentes. Apenas um membro do comitê, o então vice-presidente e presidente-eleito do ETS, continuou a conversa comigo. Ao final de uma longa série de e-mails a respeito da autoridade e exatidão bíblica, nós concordamos que acreditamos nas mesmas coisas sobre autoridade e exatidão bíblica. Nosso único desacordo foi se “inerrância” é o termo correto para o que nós dois acreditamos. Então eu perguntei para ele se eu poderia me juntar ao ETS, considerando que ele, vice-presidente e futuro presidente, e eu concordamos com a exatidão e autoridade da Bíblia. Ele disse não. Para mim aquilo provou que “inerrância” é, entre a maior parte dos acadêmicos e teólogos evangélicos, um mero chibolete, um “vigilante de portão”. (Nota: o convite foi retirado pelo presidente da ETS a pedido do comitê executivo.)

Agora um nível mais profundo de descrição teológica que necessariamente envolve um grau de especulação. Eu passei a acreditar que a diferença mais marcante entre os evangélicos a respeito da Bíblia, levando alguns a brigar pela palavra “inerrância” a ponto de dividir os evangélicos, tem a ver com as diferentes percepções do propósito da Bíblia. Alguns evangélicos conservadores parecem ver o principal propósito da Bíblia como um comunicado informativo. É para eles, seguindo a opinião de Charles Hodge, “dados brutos” que a teologia sistemática deve explorar. “Revelação” para Carl Henry e para muitos evangélicos conservadores, é um “evento mental.” Deles tenho a noção que a Bíblia não é – ainda - uma teologia sistemática-sistematizada e logo que a correta teologia sistematizada for criada, o uso da Bíblia seja apenas para leitura devocional e prova de texto. Suspeito, embora ache que eles negariam isso, que para muito deles uma teologia sistemática correta apenas diz o que a Bíblia diz e cumpre totalmente o seu propósito, de forma que a Bíblia em si mesma não possui mais nenhum valor. A correta e completa teologia sistemática substitui a Bíblia ou é a Bíblia – apenas organizada de forma diferente.

Outros evangélicos, e eu me incluo entre eles, enxerga o propósito da Bíblia como transformação espiritual – nos levando para a comunhão da salvação com Deus. Ela funciona infalivelmente como único meio inspirado por Deus, instrumento de revelação da identidade, caráter e vontade de Deus para nós com o propósito de transformar nossas vidas. Sim, ela contém informações, mas também sempre tem “nova luz” para lançar enquanto o Espírito Santo a usa e junto com nossa fé para continuamente transformar-nos à imagem de Jesus Cristo. Implica em doutrinas, mas não é um livro de doutrinas. Criamos doutrinas baseadas nela, mas para refutar usos indevidos da Escritura por heréticos e fanáticos, porém ela não é essencialmente destinada a ser um manual de doutrinas. É principalmente destinada a ser uma grande História, um “teodrama” na qual Deus é o personagem principal, que pode nos levar a comunhão de transformação com Deus. 

“infabilidade” como descrito acima, “perfeita com respeito ao propósito”, serve melhor para a compreensão da Bíblia do que “inerrância.” Se a Bíblia contém alguns erros, algumas discrepâncias, eles não afetam o seu poder de transformar vidas por meio da fé plena na comunhão com Deus, isso não é importante.

Tradução: Marcia Elias
Fonte: http://l.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Fwww.patheos.com%2Fblogs%2Frogereolson%2F2015%2F11%2Fis-the-bible-inerrant-or-infallible%2F&h=ZAQElAUy9