quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Serie: Armínio calvinista? Uma analise dos argumentos que tentam provar o suposto calvinismo de Armínio. (primeira parte)

Armínio calvinista? Uma analise dos argumentos que tentam provar o suposto calvinismo de Armínio.


Por: Pr. Anderson de Paula
Revisao e edição: Prof. Jefferson G. Acunha-Acuña

                    Muito se tem discutido sobre o fato de Armínio ter sido ou não calvinista. Atualmente, há uma série de afirmações, nos meios digitais, enfatizando a “calvinocidade” de Armínio. Os argumentos usados são vários, no entanto, teriam validade? Armínio teria sido um ex-calvinista, tendo abandonado as suas convicções soteriológicas iniciais após ter estudado as teses de Coornhert? Ou, ainda, teria Armínio morrido calvinista, como apontam alguns estudiosos? Neste breve trabalho, serão apresentados e refutados os principais argumentos que apontam para um suposto calvinismo de Armínio.

Primeiro argumento: Arminio era calvinista até ser chamado pelo consistório de Amisterdã para refutar Coornhert, mas após Arminio ter analisado os escritos de Coornhert, acabou concordando com este autor, abandonando o calvinismo.

É muito importante analisar o contexto no qual surgiu essa ideia acerca de Armínio ter abandonado o seu calvinismo. As primeiras biografias de Armínio foram feitas no seu funeral por Petrus Bertius, seu amigo e, posteriormente, pelo remonstrante Caspar Brandt. Ambos descrevem o caso de Coornhert, tecendo comentários sobre o suposto abandono de Armínio da soteriologia calvinista. Bertius menciona que:

“Certos bons irmãos que pertenciam a igreja de Delft tinham circulado um panfleto intitulado ‘Uma resposta a Alguns dos argumentos aduzidos por Beza e Calvino, de um tratado concernente a predestinação, acerca do nono capitulo de Romanos’. Martinus Lydius, um ex-ministro em Amsterdã e desde 1583 um professor na nova academia ou universidade em Franeker, na Frísia, enviou uma cópia a Arminio, com um pedido para que este, que acabara de voltar de Genebra, defendesse Beza. Isso Arminio ficou satisfeito em fazer e se propôs a fazer um estudo detalhado, completo em preparação para essa tarefa. Quando Arminio estava planejando uma refutação e acuradamente pesando os argumentos de ambos os lados e comparando os mesmos com a Escritura, Ele, Arminio, foi vencido pela força da verdade a quilo que avia sido incumbido de refutar...”[1]

Este relato de Bertius vem sendo usado por vários estudiosos para endossar a afirmação de que em algum momento Armínio teria sido calvinista. Bangs[i] (1922-2002), no entanto, afirma não haver comprovação da data em que teria ocorrido o debate citado por Bertius. Ademais, para além de Bertius e Brandt, não há outra fonte segura na qual tenha sido citado tal debate.

A opinião de Carl O. Bangs


É muito importante colocar que Bangs relata o evento supracitado chamando-o de “conto”, mencionando alguns fatos históricos do que havia coletado na sua pesquisa, mostrando o porquê de discordar do suposto calvinismo de Armínio. Desta forma, Bangs afirma que:

“Por trás desse ‘conto’ de Bertius existem alguns ‘fatos’. Os escritores de Delft eram dois ministros, Arent (Arnold) Cornelisz. e Reynier Donteklok. Em 1578, em Leiden, eles haviam debatidos questões sobre predestinação e a sentença de morte para hereges com o crítico do calvinismo, o humanista Dirck Volckertsz Coornhert. Foi sob esta pressão que eles sentiram necessidade de modificar o calvinismo rígido de Beza. O livro que eles escreveram, a saber, Responsio ad argumenta quaedam Bezae ET Calvini ex tractatu de praedestinatione in cap. IX ad Romanos, havia aparecido em 1589. Foi uma dentre outras várias tentativas de refutar o problemático (para os calvinistas) Coornhert. Na verdade, de acordo com Caspar Brandt, o próprio Consistório de Amsterdã pediu a Armínio pera escrever uma refutação e o fracasso de Armínio em escrever tal refutação foi causado pela intervenção de Lydius com seu pedido para uma refutação dos ministros de Delft. Os escritores posteriores geralmente, de maneira descuidada, misturam estas histórias para, às vezes, afirmar que Armínio estava tentando refutar Coornhert e que passou para o lado do humanismo de Coornhert”.[2]

De fato, pediu-se a Armínio que refutasse Coornhert, o que, no entanto, de modo algum provaria o calvinismo de Armínio, pois Coornhet era humanista, o que por si só poderia ter sido motivo para que Armínio aceitasse refutá-lo. Porem vamos continuar a mostrar a opinião de Bangs:

“Antes de tentar avaliar a história, outra prova disponível deveria ser considerada. Em março de 1591 Armínio escreveu uma carta para seu velho amigo e professor na Basileia, Grynaeus. ‘Há muita controvérsia entre nós acerca da predestinação, pecado original e livre-arbítrio’, ele diz. Alguns se referem ao decreto da predestinação para aqueles que ainda não caíram, na verdade nem ainda criados (supralapsarianismo), em todo o caso tornando alguns homens já responsáveis pela condenação. Isso nos leva a pergunta do livre-arbítrio. Ele atua nos não regenerados? Na conversão o livre-arbítrio é ativo ou passivo? Se é passivo, ele tem o poder de efetuar a conversão; se ativo, ele vem antes ou segue após o agir divino? Mas as conclusões sobre o livre-arbítrio se apoiam em visões do pecado original. Armínio relata que estão debatendo se o que vem primeiro é a culpa ou a depravação. Então ele faz uma declaração surpreendente: ‘Nossos oponentes, que são numerosos aqui, negam completamente o pecado original’. Os oponentes de Armínio rejeitam o pecado original e eles são muitos. Quem são eles? Fica óbvio que Armínio aqui não está se referindo aos oponentes como sendo os calvinistas. Seus oponentes são os simpatizantes do humanista Coornhert (que faleceu em 27 de outubro de 1590), os então denominados “Libertinos” que se aliaram aos calvinistas em oposição política à Espanha, mas que se opunham aos calvinistas em questões de dogma...”[3] 

Armínio escreve uma carta endereçada ao seu professor na Basileia ...sobre a negação do pecado original por parte dos seus oponentes, os quais, logicamente, não eram calvinistas. Contudo, o posicionamento dos seus oponentes provaria a suposta posição calvinista por parte de Armínio? Ora, não se pode estender uma posição singular de discordância a todas as possíveis discordâncias que poderiam existir entre dois ou mais indivíduos, portanto, o fato de Armínio dizer que os seus oponentes não aceitavam o pecado original não seria prova de um suposto calvinismo da sua parte, podendo, no máximo, servir como comprovação da sua postura protestante reformada. Nesta mesma linha de raciocínio, Bangs afirma que:


“Mas o que dizer do próprio Armínio? Se seus oponentes eram os humanistas, ele era calvinista? Se calvinista, ele era supralapsário ou sublapsário? Ele diz a Grynaeus que ele estava estudando diligentemente as Escrituras e que havia chegado a uma afirmação que não o desviaria e nem o levaria a enganar a outras pessoas. ‘Creio que nossa salvação repousa unicamente em Cristo que obtemos a fé para perdão de pecados e a renovação de vida somente através da graça do Espírito Santo’. É uma posição que não é libertina [ou seja, não é a posição de Coornhert], não é supralpsária e nem é sublapsária. A disposição da carta é de surpreender que tais sutilezas sejam levantadas e que uma ou outra posição deva ser mantida como a verdadeira doutrina. É entre esse fogo cruzado de várias opiniões que ele busca instrução de Grynaeus; na verdade, parece que ele busca apoio contra todas as posições propostas”[4]

Arminio discordava tanto dos humanistas, como também do calvinismo. Ao dizer que “nossa Salvação repousa em Cristo” e que “a fé e a renovação da vida é possível apenas pela Graça do Espirito Santo”, Armínio posiciona-se contra o humanismo, o que não comprova a suposição de ter sido calvinista. Nada nesta carta sugere uma aceitação do calvinismo por Armínio, mostrando apenas que o teólogo estava sob “fogo cruzado”, disposto tanto a refutar aos humanistas quanto aos calvinistas “da predestinação”.

Em 1591 Arminio prega sobre o sétimo capítulo de Romanos e a sua análise do texto incomoda a muitos ministros calvinistas, atraindo para si a ira deles. É interessante notar que neste mesmo ano Armínio escreve ao seu professor a carta citada por Bangs, o que reitera a sua discordância dos grupos humanista e calvinista. Acerca deste fato, Bangs diz que:  

“Por fim, há algumas evidências negativas ou argumentos significativos do silêncio em relação a história de Bertius acerca de uma transição teológica em 1591. Primeiro não existe evidência clara de que Armínio jamais tenha aceitado a doutrina beziana de predestinação e seus pontos relacionados. Segundo, Armínio não diz ter experimentado uma transição teológica. Ele constantemente retrata a si mesmo como ensinando uma posição primitiva na igreja e que é amplamente defendida entre pastores reformados nos Países Baixos. “Ele vê seus oponentes como inovadores, não ele”.[5]

                  Portanto, não há sequer uma prova documental de uma suposta mudança de posicionamento soteriológico por parte de Armínio, pela qual se poderia afirmar que a sua posição teria sido a de Beza. Desta forma, deve-se aceitar tal ideia como sendo uma espécie de mito, pois Armínio constantemente afirmava ensinar à igreja uma soteriologia cristã primitiva, defendida por vários pastores nos Países Baixos de então. As citações acima do seu biógrafo Bangs deixam claro, pois, o posicionamento não calvinista de Armínio. Deste modo, Bangs ainda afirma que:

“Todas essas evidências nos levam a uma conclusão: a saber, que Armínio não estava de acordo com a doutrina de predestinação de Beza quando ele iniciou seu ministério em Amsterdã; na verdade, ele provavelmente jamais concordou com ela. A questão jamais havia sido levantada de maneira nítida para ele, todavia, até os eventos que foram relatados aqui, no momento que ele tomou uma posição específica contra tanto as posições calvinistas propostas, o supralapsarianismo e o sublapsarianismo”[6]

“Todavia, uma objeção deve ser feita. Por que pediram para que Armínio refutasse Coornhert e os ministros de Delft? No caso de Lydius pode ter sido falta de informação. Ele poderia facilmente ter presumido que o recente aluno do famoso Beza era discípulo do mesmo. Os ministros de Amsterdã, por outro lado, ou principalmente Plancius, podem ter escolhido Armínio pela hostilidade, esperando coloca-lo em uma posição difícil, pois eles fizeram uso dessa tática em pelo menos uma ocasião depois dessa. Seja lá qual foi o motivo, o resultado foi obtido”[7]

Assim, entende-se que o argumento da possível mudança teológica de Arminio não passaria de um mito carente de comprovação histórica. Ao afirmá-lo, no entanto, não se pretende jamais menosprezar as tentativas de se provar o suposto calvinismo de Armínio, porém, até hoje, não se achou registro histórico ou biográfico que pudesse comprovar tal tese, conforme Bangs e outros teólogos que já se dedicaram a pesquisar esta questão.



[1] Bangs, Arminio, Um Estudo da Reforma Holandesa. Pagina 57 e 58, lançado em português  pela editora Reflexao em 2015.
[2] Ibird, Pagina: 58
[3] Ibird, Pagina: 58 e 58
[4] Ibird, pagina 59
[5] Ibird, pagina 60
[6] Ibird, pagina 60
[7] Ibird, pagina 61



[i] Carl O. Bangs é o maior biografo de Arminio e, é tido como referencia no meio acadêmico. Seu livro “Arminio um estudo da reforma Holandesa” é fonte de consulta para obras de respeitados historiadores.

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