domingo, 27 de março de 2016

2000 Anos de Cristianismo Carismático - O Declínio dos Dons do Espírito e o Primeiro Renovo Carismático

O Declínio dos Dons do Espírito e o Primeiro Renovo Carismático

Traduçao: Miqueias de Oliveira.

Os dons espirituais continuaram a serem manifestados depois do primeiro século. Enquanto a institucionalização crescente ia dominando a vida e o ministério da igreja, contudo, o seu predomínio e influência foi gradualmente acabando. O institucionalismo é um ênfase na organização à custa de outros fatores. Na igreja, tal ênfase, ou seja uma ênfase extrema, na organização sempre vem com um custo da vida e liberdade do Espírito. O professor James L. Ash, Jr. fala que praticamente todos os historiadores do Cristianismo concordam que a institucionalização da igreja primitiva foi acompanhado pelo desaparecimento dos dons.

INSTITUCIONALISMO E BISPOS

O caminho à institucionalização da igreja primitiva venho a acontecer como um meio e defesa contra perseguição do Estado e em defesa contra seitas heréticas como Gnoticismo e o Marcionismo. Reagindo a estas ameaças, a igreja formalizou o louvor e centralizou poder no bispo. Infelizmente, esta decisão em direção a estrutura organizacional trouxe uma mudança ao próprio significado da palavra bispo.

     A palavra bispo é derivada da palavra Grega episcopas, que neste verbo significa, “cuidar” e, então, “Superintender ou para supervisionar.” Algo que não é exclusivo do Novo Testamento, pois foi usado no mundo Grego-Romano do primeiro século em referencia a individuos que eram tutores, inspetores, escuteiros, guardas e superintendentes. Na igreja apostólica, a palavra era usada para descrever a função de supervisão dada a determinados indivíduos em questões relacionadas com as igrejas. Atos 20:17, 28 e Tito 1:5-7 mostra que os mesmos individuos que eram conhecidos como episcopas são também referidos como anciões que era esperado deles de apascentar e pastorear o rebanho.
  
    Ash descreve a tentativa de Inácio para conseguir tal autoridade para si e para o cargo de bispo como " uma novidade ". Realmente, quando comparado com os escritos do Novo Testamento, é óbvio que Inácio tomou um novo caminho no governo da igreja. No clássico de Burnett Streeter ‘A Igreja Primitiva’ diz o seguinte:

O que ninguém questiona, ninguém defende; defesa muito entusiasmada implica a existência de uma oposição forte. O princípio que Inácio estava tão preocupado de assegurar é um que não é reconhecido universalmente.

A história demonstra que a tendência de institucionalização implantada por Inácio continuou, culminando na institucionalização eclesiástica da igreja Católica Romana e no seu bispo monarca. Isso significou que coisas externas como ordenação eclesiástica de cargo e rituais passaram a ser mais apreciado e favorizado que experiências pessoais com o Espírito Santo. Isto também significou que manifestações espontâneas do Espírito Santo passaram a ser menos e menos desejada, especialmente por aqueles que estavam em autoridade. É por esta razão que Ash, em resposta da noção popular que os dons carismáticos foram trocados pelo Canône do Novo Testamento, declara:

 “Os bispos, não o cânone, parou as profecias”.

Para aqueles que abraçaram esta ênfase de estrutura organizacional, autoridade espiritual não foi mais visto como algo que residia em uma pessoa com os dons do espírito. A autoridade agora residia naquele que ocupava o cargo eclesiástico. Isso gerou um monte de tensões entre aqueles que continuaram a buscar os dons espirituais e aqueles que preferiam a emergente estrutura organizacional.

 Aqueles que desejavam a liberdade e espontaneidade do Espírito Santo sentiram-se esmagados pelos crescentes rituais e formalidades. Mas ao mesmo tempo, líderes das igrejas, que agora talvez estivessem no cargo sem o dom, sentiram - se desconfortável com a reivindicação dos carismáticos de comunhão direta com Deus. A questão veio à tona na última metade do século II , quando Montano começou a reafirmar a importância dos dons espirituais na igreja , especialmente o dom de profecia.


                            MONTANO

Montano nasceu em ma Frígia durante a primeira metade do século II e em algum momento acha-se que foi um bispo. Sendo um convertido do paganismo, como um Cristão, ele era ortodoxo em sua fé, aceitando todos os livros do cânone assim como a regra de fé ele ficou “conhecido por fazer maravilhas e milagres,” e mesmo os inimigos dele admitiram que “ambos a vida e doutrina santa e irrepreensível.”

Montano estava preocupado do crescente formalismo na igreja e a crescente falta de moralidade de seus membros. Por volta de 174DC, então ele começou a expressar a importância do ministério sobrenatural do Espírito Santo, insistindo então que os Cristão praticassem um estilo de vida moralmente estrita. Ele enfatizou na segunda volta de Cristo, aparentemente acreditando que este evento aconteceria durante sua vida. Rapidamente ganhando muitos seguidores, o movimento espalhou-se pela Asia Menor, O Norte da Africa e a Europa, chegando inclusive à Roma.

O fator qualificante para o ministério na igreja, de acordo com Montano, era possuir os dons espirituais em vez de uma nomeação a um cargo eclesiástico. Ele particularmente enfatizava o dom de profecia e foi logo acompanhado por duas profetisas , Prisca e Maximilla. Falar em línguas foi provavelmente também uma ocorrência comum entre os Montanistas. Os Motanistas preferiam serem chamados de A Nova Profecia pois eles acreditavam que Deus estava renovando o ministério profético da igreja através deles. Os oponentes os referiam como Motanistas pois era o nome do líder deles, que é o nome que eles tornaram-se conhecidos.

 A enfase nos dons espirituais trouxe aos Montanos um conflito acirrado com muitos líderes da igreja que se contentavam em dizer que o novo movimento de cargo eclesiástico tinha preeminência sobre qualquer dom espiritual. Esses líderes também tiveram problemas com a maneira da qual Montano e seus seguidores entregavam profecias. Mesmo não achando qualquer falha com o conteúdo das profecias, eles os acusavam de entregar as profecias em um estado emocional e de extase. Declarando assim que isto era prova de uma origem demoníaca das mensagens, os críticos acusavam Montano e seus seguidores de serem possessos por demônios.

Alguns conselhos regionais ou sínodos na segunda metade do segundo século censuraram Montano e seus seguidores. Esta união dos cocílios das igrejas, porem, meramente mostra o impacto que o Montanismo estava tendo na igreja. No livro deles Iniciação Cristã e Batismo no Espírito Santo, Kilian McDonnell e George Montague apontaram que
estes foram os primeiro concílios da história da igreja fora do conselho de
Jerusalém de Atos 15, e que “nem a ameaça do gnoticismo, nem Marcionismo
tiveram tanta pressão da igreja em um concílio.

Apoio a Montano e seus seguidores foi geral. Eusebio indicou que Irineu foi enviado para Roma pelos Cristãos Gauleses  para interceder em favor dos Motanistas. A intercessão dele inicialmente levou ao bispo de Roma a mandar cartas de paz as igrejas Motanistas, mas mais tarde ele as retirou. Irineu talvez se referisse aos opositores dos Motanistas quando expressou seu descontentamento com aqueles que “colocavam de lado ambos o Evangelho e o Espírito Profético.” Esses mesmos homens, falou Irineu, não conseguiam admitir nem mesmo o apóstolo Paulo, pois em sua carta os Coríntios “ele fala claramente dos dons proféticos, e reconhece homens e mulheres profetizando na igreja.”

No Norte da Africa, os Motanistas foram defendidos por Tertuliano, que ingressou no movimento por volta do ano 200DC. Na obra Contra Praxeas, Tertuliano fala que o bispo de Roma inicialmente “reconheceu os dons proféticos de Montano, Prisca e Maximilla” e “concedeu sua paz” sobre as igrejas Motanistas da Asia e Frígia. McDonnell aponta que aquela paz era um sinônimo para comunhão eclesiástica, e o fato do bispo mandar as cartas de paz para as igrejas Motanistas significa dizer,

“Nós pertencemos a mesma comunhão; nós celebramos a mesma eucaristia; nós temos a mesma fé.”

Porém, a complicação surgiu através de Praxeas, que ensinava uma doutrina chamada monarquianismo, declarando que o Pai, Filho e Espírito Santo são um e o mesmo. Ele com muito sucesso influenciou o bispo Romano contra os novos profetas, e as cartas de paz foram retiradas. Tertuliano fala que Praxeas fez um duplo serviço para o diabo em Roma:

“Ele expeliu a profecia, e trouxe heresia; ele pôs em fuga o paráclito, e crucificou o Pai. Tertuliano também escreveu sete livros defendendo a profecia, todos do qual foram perdidos ou destruídos.

Depois da morte de Montano, seus seguidores tornaram-se mais rigorosos em seus ascetismos, instituindo jejuns e colocando exigências mais rigorosas a seus adeptos. Até o início do século III, eles também começaram a institucionalizar, fazendo então seus próprios sistemas eclesiásticos com bispos e diáconos. Até 381, o concílio de Constantinopla finalmente declarou que os Motanistas deveriam ser vistos como pagãos. Mas mesmo com essa oposição, o movimento continuou até o século V quando Agostinho menciona a existência deles.


MONTANISMO: HERESIA OU VERDADE BÍBLICA?
 Um problema que estudiosos encontram ao estudarem o Montanismo é
de sua dependência nos escritos dos inimigos dos Motanistas, em vez de documentos primários dos próprios  Montanistas. Escritos, tanto como dos sete livros de Tertuliano sobre profecia que os Motanistas defendiam, não sobreviveram. Eles foram ou perdidos ou destruídos pelos seus inimigos.

 Mas mesmo assim, o Montanismo lentamente vai ganhando força. Em 1750, por exemplo, John Wesley leu um livro do início do século XVIII de John Lacey chamado A ilusão geral dos cristãos em saber as maneiras de Deus se revelar para e pelos profetas. Esse livro olha ao Montanismo de uma maneira boa, refutando muitas da acusações tradicionais. Depois de ter lido este livro, Wesley escreveu a seguinte resposta em seu diário no dia 15 de Agosto, 1750:

"Fui convencido daquilo que antes suspeitava: 1) Que os Montanistas, no segundo e terceiro séculos, foram cristãos que seguiam as escrituras; e 2) Que a grande razão da qual os dons foram rapidamente tirados não foi apenas por causa da fé e santidade que estavam faltando, mas que homens muito formais e ortodoxos começaram mesmo naquela época a ridicularizar qualquer dom que eles mesmos não possuíam, e que condenavam todos estes dons como loucura ou falsidade."

Alguns detratores do montanismo alegam que o movimento representou uma invasão de profecia pagã no Cristianismo do segundo século. Mas não havia evidência para sustentar esta afirmação. Tal afirmação “é completamente falsa” de acordo com David Aune em sua extensiva obra sobre profecia antiga, Profecia na igreja primitiva e o antigo mundo mediterrâneo. Ele fala que todas as características do Montanismo inicial, inclusive a natureza extática de suas profecias, “são derivadas do cristianismo primitivo”.

Em somatório, é provavelmente seguro dizer que Montanismo foi o primeiro renovo carismático dentro da igreja e que procurou trazer um reavivamento a uma igreja que rapidamente ia se apegando no modo eclesiástico. A igreja institucional obviamente exagerou em seu tratar do movimento e acelerou uma moda de desprezo e distanciamento dos dons espirituais. Também começou um movimento, como Philip Schaff apontou:
“onde uma linha foi colocada entre a era dos apóstolos, no qual havia revelações sobrenaturais diretas, e os tempos pós, em que tais revelações haviam desaparecido.”

McDonell fala:
“A igreja nunca recuperou seu equilíbrio depois que rejeitou o Montanismo”.

 OS TOQUES FINAIS

A ameaça do montanismo para as autoridades agora colocadas nos
cargos eclesiásticos fez com que a igreja libera –se cada vez mais autoridade ao bispo monarquico, assim então acelerando o processo de institucionalização. Enquanto isso os assuntos da igreja do primeiro século foi direcionados por um grupo de anciões que eram chamados bispos ou supervisores, as igrejas agora estavam sobre o controle de uma única pessoa para o qual o título de bispo foi reservado exclusivamente. Também ao mesmo tempo, os bispos começaram a serem vistos como os sucessores dos apóstolos. De maneira, eles foram vistos como terem e serem os guardiões das doutrinas apostólicas; eles sozinhos possuíam o charisma veritus, o dom divino de sabedoria de Deus, dando a eles o poder de ensinar. Por investir toda a autoridade no cargo de bispo, foi então pensado que a igreja seria protegida de mestres que ensinem doutrinas heréticas.

A tendência da institucionalização trouxe uma grande divisão na igreja entre o clero e os leigos, uma divisão desconhecida na Igreja do Novo Testamento. O critério para ensinar e liderar cessou de ser o chamado e o dom do Espírito Santo, mas foi mudado por ordenação de oficiais eclesiásticos. Bultman aponta que o dom do Espírito Santo de ensinar e liderar, “que foi originalmente dado pelo Espírito à pessoa, é agora entendido como um cargo carismático transmitido pela ordenação”. O clero então assumiu todas as responsabilidades ministeriais da igreja, e um sacerdócio paralelo ao do Antigo Testamento emergiu.

A reação da igreja ao Montanismo contribuiu ao rápido desaparecimento dos dons espirituais. No terceiro século, Origem citaria que “estes sinais diminuíram.” A liberdade do Espírito estava sendo trocada por rituais cerimoniais e organização eclesiástica. O golpe final ao caráter carismático da igreja chegaria com a conversão de Constantino e a aquisição de poder e influência terrena pela igreja.

(aguardem o próximo capitulo da serie: 2000 anos de cristianismo carismático). 

sábado, 19 de março de 2016

2000 Anos de Cristianismo Carismático - A igreja antes de Niceia.

A IGREJA ANTES DE NICEIA.

Tradução: Irmã Marcia Elias.
Livro: 2000 anos de cristianismo carismático.



A IGREJA PRÉ – NICENICA

Justino Mártir (A.D. 100-165) é considerado como o primeiro apologista do segundo século. Nascido de pais pagãos, próximo a cidade bíblica de Siquém, ele se tornou um filósofo brilhante. Tinha um coração faminto pela verdade, quando um dia, enquanto caminhava por uma praia, ele conheceu um homem já idoso que o levou às Escrituras. Essas, o homem declarou, constituem a verdadeira filosofia. Justino se convenceu e converteu-se. Ele foi para uma escola Cristã em Roma.
       Justino certamente era familiarizado com os dons miraculosos do Espírito Santo. Em seu Diálogo com Trifón , ele escreve, “Os dons proféticos permanecem conosco até hoje.” Adiante, no mesmo trabalho, ele diz, “É possível ver entre nós homens e mulheres com dons do Espírito de Deus.” Em outro trabalho chamado A Segunda Apologia de Justino, ele fala da habilidade dos Cristãos em seus dias de expulsar demônios e ministrar cura:

"Em razão dos inumeráveis endemoninhados em todo o mundo, e em sua cidade, muitos dos nossos Cristãos os exorcizam em nome de Jesus, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, curam e curaram desamparados e expulsam demônios dos homens."

         Justino Mártir, dessa forma, deixa claro que os Cristãos do segundo século continuavam a exercer autoridade sobre os demônios e os doentes. Ele ainda sinalizou que tanto homens como mulheres exerciam também outros dons do Espírito. Ele nunca sugeriu que esses dons cessariam.


Irineu

Irineu (125-200 A.D.), bispo de Lião, é melhor conhecido pelos seus escritos contra o gnosticismo e outras heresias de sua época. Nascido na cidade de Esmirna, foi aluno de Policarpo, um discípulo do apóstolo João. De seus textos está claro que os dons miraculosos do Espírito Santo ainda predominavam na vida da igreja daqueles dias.
        Na sua obra Contra as Heresias, Irineu mostra a falácia de certos gnósticos que afirmavam que Jesus era um fantasma sem nenhum corpo físico e que Ele realizava Suas obras “em simples aparência.” Irineu rejeitou esse ensino apontando para as obras que os seguidores de Jesus continuavam a realizar:
         
"Porque alguns verdadeiramente expulsam demônios, de forma que os que foram limpos dos espíritos malignos frequentemente acreditam [em Cristo], e se unem a igreja. Outros tem presciência de coisas por acontecer: ele tem visões e proferem profecias. Outros ainda curam com imposição de mãos sobre os enfermos."

Irineu ainda fala sobre mortos sendo ressuscitados:

"Sim, como eu já disse, o morto foi ressuscitado, e permaneceu entre nós por muitos anos. E que posso mais dizer? Não é possível nomear o número de dons que a Igreja [espalhada] por todo o mundo tem recebido de Deus no nome de Jesus Cristo."

Testificando que crentes em seus dias ainda falavam em línguas, Irineu escreveu:

"Da mesma maneira nós ouvimos muitos irmãos na Igreja que possuem dons proféticos e que pelo Espírito falam todos os tipos de línguas, trazendo à luz, para o benefício de todos, as coisas ocultas aos homens, e declaram os mistérios de Deus."

        A vida e textos de Irineu alcançam quase o terceiro século. Seus artigos são um testemunho poderoso para a difusão do conhecimento e prática dos dons espirituais na igreja de seu tempo. Assim como Justino Mártir, Irineu de maneira alguma menciona que esperava pelo cessar dos dons.


Tertuliano

Tertuliano (160-240 A.D.), nascido em Cartago, converteu-se em 192 A.D. Na ocasião, ele era fluente em direito e filosofia. Conhecedor do Grego e do Latim, ele escreveu extensivamente. Com seus conhecimentos, ele logo se tornou presbítero em Cartago, um líder influente na igreja e um apologista da igreja do Ocidente. Em seus textos incisivos, fortes artigos contra dirigentes hostis e seitas heréticas de seus dias, ele formulou conceitos teológicos que lhe deram o título de “O Pai da Teologia Latina.” Seus textos também revelam uma familiaridade pessoal com os dons sobrenaturais do Espírito Santo, incluindo o falar em línguas.
        Em Um Tratado sobre a Alma, Tertuliano diz:

“Por que nós admitimos o carismata espiritual, ou dons, nós também reconhecemos o dom profético.”

 Ele prossegue falando a respeito de uma mulher de sua congregação  favorecida com diversos dons de revelação. De acordo com Tertuliano, ela com frequência recebia visita de anjos e do próprio Senhor. E mais, ela com frequência conhecia os segredos dos corações das pessoas e era capaz de dar respostas às suas mais profundas necessidades, incluindo cura física. Tertuliano diz,:

“Tudo o que ela fala é examinado com o maior rigor a fim de que a verdade seja provada.”

        Em Para Escápula, Tertuliano relata exemplos específicos de cura e libertação da possessão demoníaca. Ele conclui:

 “ E os céus sabem quantos distintos homens, sem contar as pessoas comuns, tem sido curados dos demônios ou de suas enfermidades.”

        Em Contra Marcião, escrito contra o herege Marcião, Tertuliano revela tanto sua familiaridade com o falar em línguas como em acreditar que os dons sobrenaturais do Espírito eram um sinal de ortodoxia. Isso se vê em seu desafio a Marcião.

"Que Marcião apresente, como dons de seu deus, alguns profetas que não tenham falado pelo sentido humano, mas com o Espírito de Deus, que tenham feito predições e tenham manifestado os segredos do coração; que elabore um salmo, uma visão, uma oração – somente pelo espírito, em um êxtase, que seja, em um arrebatamento, quando quer que uma interpretação de línguas tenha lhe ocorrido. Pois todos esses sinais me são disponíveis sem dificuldades."

Em Um Batismo, Tertuliano defende uma obra do Espírito no crente subsequente à conversão. Ele escreve:

 “Não que pela água obtemos o Espírito; mas na água somos lavados e preparados para o Espírito Santo.”

Ele ainda afirmava que seguido ao batismo “a mão é imposta sobre nós, invocando e convidando o Espírito Santo pela bênção.” Sem dúvida isso se refere ao costume apostólico de impor as mãos sobre os novos convertidos para o recebimento do Espírito Santo (Ver Atos 8:14-17; 9:17; 19:5-6).

      O testemunho de Tertuliano, dessa forma, demonstra que no terceiro século, os dons espirituais ainda eram presentes na igreja. Sua visão de um trabalho subsequente do Espírito Santo após o batismo é especialmente interessante à luz do movimento moderno Pentecostal/Carismático, o qual também ensina um recebimento de poder subsequente a conversão. Assim como outros de sua época, Tertuliano não ofereceu indícios de que esperasse que os dons cessariam.


Orígenes

Orígenes (185-284 A.D.), um prolífico e influente escritor, foi o primeiro teólogo sistematizador. Quando Orígenes tinha dezesseis anos de idade, seu pai, um crente devoto, foi martirizado. Em Alexandria, Egito, quando ele tinha dezoito anos, Orígenes foi designado líder de uma destacada escola Cristã fundada para ensinar convertidos do paganismo.
        Em Contra Celsus, Orígenes fala dos milagres sendo realizados em seus dias pelo poder do nome de Jesus. Seu testemunho mostra que ele era pessoalmente envolvido em muitos desses milagres. Veja:

"Alguns dão evidência de terem recebido pela fé um maravilhoso poder por meio das curas que realizavam, invocando nenhum outro nome sobre aqueles que necessitavam da ajuda deles a não ser  do Deus de todas as coisas, e o de Jesus, junto com o relato de Sua história. Temos visto muitas pessoas ser tornar livres de penosas calamidades, e de distrações da mente, e perturbações, e incontáveis doenças, que não poderiam ser curadas por nenhum homem ou demônios."

        Ainda em sua obra, Orígenes cita uma acusação que Celsus, um escritor pagão, fez contra os Cristãos. Celsus criticava a afirmação dos Cristãos a respeito da inspiração do dom profético e ainda cinicamente citava partes das declarações proféticas que ele ouviu. Ele dizia, “A essas promessas eram adicionadas palavras estranhas, fanáticas e inteligíveis, que nenhuma pessoa racionalmente pode dar significado.” Se essa declaração se refere a falar em línguas, como muitos acreditam, então esse é um testemunho de uma pessoa de fora da igreja, de que o falar em línguas era algo comum na igreja naqueles dias. O contexto do argumento claramente demonstra que declarações proféticas eram de tal maneira ainda comuns entre os Cristãos que um escritor pagão sabia que isso acontecia.

        Orígenes certamente reconhecia a realidade e importância de orar em línguas, e ele deu mais evidências disso em seu comentário de Romanos 8:26 onde ele vincula orar no Espírito com orar em línguas. Cecil M. Robeck registra:

 “Orígenes reconhecia que a oração em línguas existia em seus dias, e considerava ser benéfica por ser por esse tipo de oração que o Espírito intercedia sobremaneira diante de Deus.”

        Orígenes, como Tertuliano, demonstra sua crença na obra do Espírito Santo subsequente a regeneração. Em Os Princípios , ele fala de Deus dando a Adão o  fôlego da vida, acrescentando que isso não pode se referir a  todos os homens, mas apenas aos que foram feitos novos em Cristo. Ele diz:

"Por essa razão foi a graça e a revelação do Espírito Santo derramada pela imposição das mão dos apóstolos após o batismo. Nosso Senhor também, após a ressurreição, quando as coisas velhas já tinham passado e todas as coisas se fizeram novas... Seus apóstolos também renovados pela fé em Sua ressurreição, dizem, “Recebam o Espírito Santo.”"

 Orígenes foi o primeiro pai da igreja a declarar que ministração sobrenatural estava se tornando menos comum. Ele pontua sobre a abundância de sinais sobrenaturais no ministérios de Cristo e da igreja apostólica. Ele destaca, “Mas desde aquele tempo esses sinais tem diminuído.” Ele cita a escassez de santidade e pureza entre os Cristãos de sua época como sendo a razão dessa escassez.
        Orígenes, dessa forma, estava acostumado com a ministração miraculosa do Espírito Santo, inclusive o falar em línguas. Ele ainda claramente ensina sobre uma obra do Espírito subsequente a conversão. Ele ainda, enquanto apontava a diminuição da atividade carismática, atribuía isso, não a um decreto divino, mas a falta de santidade entre os Cristãos de seus dias.


Novaciano

Novaciano (210-280 A. D.) foi um presbítero da igreja de Roma e um respeitado teólogo. Reconhecido por sua compaixão e santidade, de forma que durante uma polêmica redigida contra ele, seus oponentes dizeram que Novaciano “chorava pelos pecados dos outros como se fossem dele mesmo, carregava os fardos dos irmãos, como os apóstolos exortam, e fortalecia aqueles que estavam fracos na fé.” Novaciano envolveu-se em uma controvérsia com Cornélio, bispo de Roma, por causa da leniência de Cornélio com os Cristãos que “falharam” durante a perseguição. O tema nunca foi resolvido, e Novaciano tornou-se um rival do bispo de Roma.
        O movimento Novaciano ganhou impulso e espalhou-se rapidamente, em especial no Mediterrâneo oriental e no Norte da África. Adeptos do movimento se denominavam Catheri, significando os puros, para diferenciar a si mesmos de outros Cristãos que eles consideravam carnais e impuros. Outros grupos na história da igreja, com semelhante ênfase, também adotaram essa designação. Nos séculos dezoito e dezenove, o movimento da Santidade manteve semelhantes prioridades.
        Talvez o mais importante do que sobreviveu das obras de Novaciano seja A Trindade. Nele ele discute sua familiaridade com a ministração sobre- natural do Espírito Santo. Veja:
       
"Ele [o Espírito Santo] é quem estabelece profetas nas Igreja, instrui mestres, controla línguas, dá poderes e curas, realiza obras maravilhosas, dá discernimento de espíritos, estabelece lideranças, indica conselheiros, ordena e organiza outros dons; e deste modo fazendo a Igreja do Senhor em todos os lugares, e em todos, perfeita e completa."

        Para Novaciano o Espírito Santo era a fonte da vida e ordem da igreja. Ele realmente aceitava experiências dos Cristãos tais como curas, milagres e línguas. Sua fé no charismata não era um problema uma vez que a igreja de seus dias ainda reconhecia os dons como parte vital do Cristianismo.
        A ênfase de Novaciano na pureza moral, combinava com o testemunho de Orígenes, refletindo que o declínio moral entre os Cristãos era uma tendência em setores tanto na igreja do oriente quanto do ocidente. Esse declínio moral produziu discórdia e conflitos na igreja, e até mesmo a instituição oficial se posicionou contra aqueles que defendiam estrita pureza moral.
Gerações seguintes interpretariam essa escassez de moralidade como a principal causa da perda do poder espiritual da igreja.


Cipriano

Cipriano (195-258 A. D.), um próspero Cartagiano de berço, desfrutou dos benefícios de uma ótima educação em retórica e direito. Quando se tornou Cristão por volta de 246, ele rapidamente ganhou proeminência. Após dois anos se tornou bispo de Cartago, uma posição que manteve até seu martírio em 258.
        Que Cipriano estava cônscio da carismata é evidente por ele ter sido um ávido leitor de Tertuliano. O secretário de Cipriano contou para Jerônimo que Cipriano nunca passava um dia sem que lesse os escritos de Tertuliano e costumava lhe pedir, “Me passe o Mestre.”
        Cipriano, de seu próprio testemunho, com frequência tinha visões sobrenaturais. Suas justificativas para as ações tomadas por sua congregação durante um tempo de perseguição era:

 “Pareceu melhor para nós por meio de muitas e claras visões.”

Estas visões, na verdade, ocorreram por toda a comunidade Cristã. Como segue:

"Além das visões da noite, mesmo durante o dia, meninos e meninas dessa idade [crianças inocentes] estão entre nós cheios do Espírito Santo, vendo em êxtase com seus olhos, ouvindo e falando aquelas coisas pelas quais o Senhor condescendeu nos alertar e nos instruiu."

   Enquanto bispo de Cartago, Cipriano se envolveu em uma controvérsia com Estevão, bispo de Roma. Estevão sustentava que aqueles previamente batizados pelos hereges não necessitavam ser batizados novamente quando retornaram à igreja. Cipriano discordou fortemente e insistiu que eles deveriam ser submetidos novamente ao batismo. No curso do debate ficou clara a posição de Cipriano de que o Espírito Santo é recebido subsequente à obra da regeneração.  Ele via a regeneração como acontecendo no verdadeiro batismo e o recebimento do Espírito Santo como ocorrendo logo após pela imposição das mãos. Ele dizia:

“O que foi santificado, seus pecados sendo abandonados no batismo, e sendo transformado espiritualmente em um novo homem, torna-se apto para receber o Espírito Santo.”
        Cipriano compara dois eventos, regeneração e recebimento do Espírito, com os atos de Deus na criação de Adão. Adão foi primeiro formado, e depois Deus colocou nele o folego [Espírito] da vida. De forma paralela, Cipriano concluía que uma pessoa nasce de novo e após é preenchida com o Espírito Santo.

"Ninguém nasce pela imposição das mãos quando recebe o Espírito Santo, mas no batismo, então, tendo já nascido, ela pode receber o Espírito Santo, como aconteceu com o primeiro homem – Adão. Porque primeiro Deus criou ele e depois colocou nas suas narinas o fôlego da vida."

        Os textos de Cipriano fornecem muita evidência de que a ministração sobrenatural do Espírito Santo era ainda considerada normal na vida e ministério da igreja do terceiro século. Sua crença no enchimento do Espírito Santo subsequente à conversão também demonstra a generalizada aceitação desta opinião no terceiro século. Como outros escritores de sua época, Cipriano expressa nenhum conhecimento de uma teoria de cessação.


Outros Testemunhos

Outros textos dos primeiros Cristãos confirmam a continuada presença dos dons espirituais nas igrejas. Por exemplo, a Didaquê, provavelmente escrita no início do segundo século, reconhece a legitimidade do ministério profético e dá instruções concernentes a como distinguir entre os verdadeiros e falsos profetas. O Pastor de Hermas,  escrito durante o segundo século, é baseado nas revelações sobrenaturais e visões do autor. Inácio, bispo de Antioquia, em sua carta Para os Filadelfos escrita no início do segundo século, lembra seus leitores da mensagem profética que ele ministrou no meio deles durante uma visita.

Conclusão

Estes testemunhos certamente demonstram que dons espirituais, incluindo o falar em línguas, continuaram a ser comuns na igreja desde o dia do Pentecoste até o início do quarto século. O acadêmico Episcopal Morton Kelsey diz corretamente, “Estes homens estavam bem conscientes da lista de Paulo a respeito dos dons do Espírito e do que a incluía. Em nenhum lugar sugeriram que os dons cessaram. Orígenes apontou o declínio, mas não a cessação deles.
        Os testemunhos patrísticos também falam que o recebimento do Espírito Santo era considerado um evento subsequente a conversão iniciando pela imposição de mãos. Isto era obviamente a continuação do costume apostólico registrado no Livro de Atos. Este testemunho demonstra que, ao menos nos três primeiros séculos, a igreja seguiu esse costume apostólico da conversão segui