sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Alguma vez o amor obriga? Minha resposta à O não controlado amor de Deus, de thomas jay oord

Alguma vez o amor obriga? Minha resposta à O não controlado amor de Deus, de thomas jay oord
Tradução: Marcia Elias
Revisao de texto: Plabyo Geanine Nunes de Oliveira

O título e informação de publicação do livro é: O Descontrolado Amor de Deus: Uma Exposição da Providência Aberta e Relacional, por Thomas Jay Oord (InterVarsity Press, 2015).
O título deste post é minha resposta porque, em seu livro, Oord menciona especificamente meu nome como alguém de quem ele discorda. Desejo que os leitores tenham isso em mente quando eu discordar de Oord. Não levo a divergência que ele tem comigo como uma questão pessoal, nem considero que ele esteja tentando causar dano à minha carreira e reputação; quando eu discordar dele, também não estou tentando prejudica-lo. Espero que Oord não considere minha posição como uma ofensa. Infelizmente, tudo isso tem de ser dito por causa de dois fatos:
1) no ambiente teológico evangélico de hoje é difícil separar divergência de caça à heresia, e:
2) discordar é frequentemente confundido com um ataque à inteligência ou perspicácia de alguém.
Eu conheço Oord e o considero um teólogo sério, inteligente e comprometido com a Bíblia. O fato de discordar dele não quer dizer que eu não o estime. Tenho certeza de que ele diria o mesmo a meu respeito se eu o perguntasse sobre a divergência que tem comigo.
O livro de Oord, O Descontrolado Amor de Deus, representa a tentativa que ele faz para articular uma nova interpretação cristã a respeito da providência de Deus. Quando resume sua posição, que ele rotula como Deus é essencialmente kenótico, Oord diz: “eu acho esse modelo de providência mais convincente. Na verdade, eu o criei [...]” (pág. 94). Então, o que é o novo modelo de providência de Deus segundo Oord? Eis aqui em poucas palavras: “o modelo de Deus, como essencialmente kenótico, significa que a eterna natureza de Deus é amor não controlado. Por causa do amor, Deus necessariamente oferece liberdade/agência às criaturas, e Deus age delegando e inspirando a criação com vistas ao bem-estar. Deus também necessariamente mantém as leis do universo porque elas derivam da eterna natureza do amor Dele. A aleatoriedade no mundo e o livre-arbítrio são reais, e Deus não é um ditador que misteriosamente puxa as cordas. Deus nunca controla os homens.  No entanto, às vezes, Deus age misteriosamente, de formas não coercitivas. Providencialmente, Ele guia e chama toda a criação para o amor e beleza” (pág. 9; grifo meu).
Este breve resumo do ponto de vista de Oord a respeito da providência de Deus aparece no capítulo 4 do livro Modelos da Providência de Deus, no qual o autor também me menciona como um defensor de um modelo de providência que ele denomina como “Deus capacita e sobrepuja”. Ele afirma que esse é o ponto de vista mais comum a respeito da providência de Deus entre “a média” dos crentes (pág. 86). Deve-se perguntar o que média significa nessa declaração. Está ele desse modo sugerindo que há uma porcentagem de crentes – seja lá o que isso significa – com outros pontos de vista? É apenas uma palavra, entretanto seu uso levanta perguntas desnecessárias. Acho que seria melhor dizer que é o ponto de vista mais comum entre os cristãos, o que deve ser o caso, provavelmente.
Então, qual é o ponto de vista que Oord atribui a mim – juntamente com Alvin Plantinga? Aqui está o parágrafo onde Oord especificamente me menciona: “Roger Olson [...] recorre à noção de que Deus permite o mal sem desejá-lo. Nada pode acontecer sem que Deus permita, afirma Olson, porém isso não é o mesmo que dizer que ele causa ou deixa determinado todas as coisas, e certamente não o mal, o pecado ou o sofrimento do inocente” (pág. 87). A fonte dessas citações é: O que há de errado com o Calvinismo?, que postei aqui em 22 de Março de 2013.
Agora, perceba, por favor, que nessa seção do Capítulo 4, Oord coloca a mim e meu ponto de vista junto com o de outras pessoas, como Marc Speed, Jack Cottrell e Alvin Plantinga. Nós quatro somos exemplos escolhidos por Oord do modelo que ele chama de “Deus capacita e sobrepuja”. Estou seguro de que minha opinião não é exatamente a mesma que a deles e, em alguns pontos, é até inconsistente. Sei, por exemplo, que não concordo com a opinião de Cottrell. Usei o livro dele, O que a Bíblia fala a respeito de Deus o Governante (Wipf & Stock, 2000), como texto em um seminário sobre providência divina e o problema do mal (entre outros). Aqui não vou detalhar nossas diferenças, mas apenas registrar que o ponto de vista de Cottrell e o meu, a respeito da providência divina, não são os mesmos. Se eles são semelhantes o suficiente para ser colocados em uma simples categoria é discutível. Não comentarei isso aqui.
Cito isso somente porque ao classificar a posição de Oord junto com a teologia do processo, não estou sugerindo que ele concorda com todos os pontos dessa teologia, ou com qualquer processo em particular das opiniões de teólogos sobre a providência de Deus. Se é justo para Oord colocar minha opinião sobre a providência de Deus na mesma categoria de Cottrell e Plantinga, então é justo eu o colocar na mesma categoria da teologia do processo, sem sugerir que ambos são completamente idênticos. Apenas significa que, em certos pontos cruciais, eles são semelhantes o suficiente para pertencerem à mesma categoria.
Por último, no final do capítulo onde apareço junto com Cottrell e Plantinga, Oord critica meu ponto de vista, e o deles, porquanto os vê como um modelo, reclamando que sofrem de “inconsistência explanatória” (pág. 88). Eis o resumo da crítica dele: “embora esse modelo permita a seus defensores dizer que Deus não é a fonte do mal, o entendimento a respeito do poder divino O torna responsável por fracassar em prevenir o mal genuíno. Se Ele é capaz de controlar tudo, mas falha em prevenir o mal, é difícil crer que Ele ama perfeitamente. Deus permanece culpável” (pág. 89). É claro que eu já havia visto essa crítica antes – a maioria, na verdade, exclusivamente (o quanto posso me lembrar), de teólogos da teologia do processo.
De acordo com Oord, o seguinte modelo, que ele denomina de “Deus é voluntariamente autolimitado”, sofre a mesma falha. Os dois protótipos desse são de John Polkinghorne e Philip Clayton. A diferença entre esse e o modelo “Deus capacita e sobrepuja”, parece repousar, primariamente, em se Deus, alguma vez, intervém para alterar o livre arbítrio das pessoas e fazer algo acontecer coercitivamente, que de outra forma não aconteceria. Em outras palavras, é a questão da intervenção divina. Após expressar uma grande apreciação com esse modelo, Oord finalmente o acha defeituoso para que ele o aceite, e a razão resulta da mesma (como no modelo “Deus capacita e sobrepuja”): “Sustentando um Deus capaz de controlar, embora permita o mal com várias perguntas sem respostas” (pág. 94).
Em todo O Descontrolado Amor de Deus, estão algumas declarações muito surpreendentes. Uma aparece na crítica de Oord ao modelo que ele atribui a Polkinghorne e Clayton: “acho difícil, senão impossível, obedecer de boa-fé (muito menos adorar) um Deus que, para manter uma promessa, permite o mal” (pág. 93). Oord concorda com João Calvino em não haver nenhuma distinção entre a vontade de Deus e permissão de Deus (pág. 92). É claro, ele discorda de Calvino sobre outras coisas. A promessa de Deus que Oord rejeita é não interferir com o livre arbítrio, embora Ele pudesse.
Um teólogo-filósofo evangélico que Oord não menciona, mas deveria, é Michael Peterson. Eu o mencionei aqui antes, e recomendei fortemente o seu livro O Mal e o Deus Cristão (Baker, 1982). Peterson é um companheiro Wesleyano com Oord (ao menos em suas tradições eclesiásticas e teológicas). Ele lecionou por muitos anos na Faculdade Asbury; Oord leciona em uma universidade Nazarena. O projeto de Peterson em seu livro é responder aos desafios de Oord, de que um Deus de amor deve intervir poderosamente para frear o mal e o sofrimento do inocente, se ele tem o poder de fazê-lo. Peterson fornece explicações de consistência suficiente para dissipar a queixa de Oord a respeito dos dois modelos mencionados acima. Peterson explica que um Deus de perfeito amor e com poder absoluto, não pode dar às criaturas verdadeiro livre arbítrio libertário e intervir para impedir todos os abusos desse livre arbítrio. Em outras palavras, à luz das explicações de Peterson (e de outros) a respeito dos modelos que fazem distinção entre a vontade e permissão de Deus, a crítica de Oord não se sustenta. Dado o fato de que a vontade de Deus é que suas criaturas humanas tenham suficiente e genuíno livre arbítrio, para obedecer ou desobedecer a Ele livremente, e mais a verdade da queda da humanidade e da criação em corrupção pelo mal-uso desse livre arbítrio, Deus, perfeitamente em amor e competência, não pode simplesmente prevenir, inclusive, os abusos gratuitos do livre arbítrio (ou desastres naturais), sem que destrua todo o projeto.

Eu realmente gostaria que Oord tivesse lido e respondido ao argumento de Peterson em O Mal e o Deus Cristão (ou ao semelhante argumento de Greg Boyd’s em Deus é Culpado?). Creio que eles satisfatoriamente desfazem a crítica de inconsistência explanatória.
Apresento, agora, minha divergência com o próprio modelo de Oord da providência como kenosis essencial – de que amor perfeito, incluindo o amor de Deus (que deve ser o único amor perfeito) – nunca coage ninguém ou qualquer situação.
Meu próprio método teológico, como expliquei aqui inúmeras vezes (assim como em O Mosaico da Fé Cristã) é uma versão ao que é atribuído à John Wesley pelo estudioso Albert Outler: o tão denominado Quadrilátero Wesleyano. Sendo uma proposta teológica, deve ser testada (nessa ordem): Escritura, tradição, razão e experiência.
Então, o que é exatamente o modelo de Oord? Ao invés de explicar isso aqui em detalhe, e ao invés de citar mais do livro, focarei no que considero ser a questão principal que ele levanta e tenta responder. De acordo com Oord, do que entendo do propósito dele (é claro que estou aberto a correções), Deus nunca atua para fazer algo acontecer de forma que não aconteceria sem o consentimento, ou mesmo esperada cooperação, das criaturas envolvidas. Em outras palavras, Deus não faz nada sem o consentimento humano; Ele precisa que o homem concorde, ou até mesmo coopere, para que Ele possa agir. Assumidamente, essas são minhas palavras em uma tentativa de resumir a essência da proposta de Oord, na medida que contrasta com outros modelos da providência de Deus agindo no mundo. Acho que é a mais polêmica afirmação que ele faz.
Duas palavras com c aparecem frequentemente no livro de Oord: controlar e coagir. Ele argumenta, com frequência, que esses tipos de atividades são inconsistentes com amor verdadeiro, como forma da própria essência de Deus. Assim, porque ele é perfeito amor, Deus não pode intervir no mundo fazendo com que as coisas aconteçam sem a permissão e cooperação das criaturas. A limitação do poder de Deus, então, não é voluntária; é essencial, dado a natureza de amor que ele tem.
Muitas coisas vêm à minha mente. É importante dizer, primeiramente, que Oord, ao contrário de muitos teólogos do processo, acredita na Bíblia. Se ele interpreta a Bíblia corretamente é outra questão.
Eis a minha primeira pergunta: é necessariamente verdadeiro que o amor nunca controla ou coage o amado? Eu questiono essa premissa. Posso pensar em inúmeros exemplos nos quais o verdadeiro e perfeito amor iria controlar, se o pudesse, e até coagir o amado. Eu concordo que o amor sequer controla exaustivamente o amado, mas eu duvido, até nego, que o amor nunca interfere, unilateralmente, para controlar ou coagir o amado. Imagine um cônjuge suicida, o qual, em uma viagem de navio ao Caribe, demonstra vontade de se lançar ao mar. Quem questionaria o amor do cônjuge que impediria isso sem o consentimento ou cooperação do suicida?
Tendo dito isso, a fim de prevenir que isso se levante contra mim, devo dizer que também existem circunstâncias onde o amor não controlaria ou coagiria o amado. Eu não acho, por exemplo, que seria amável um cônjuge trancar o companheiro no porão para evitar que ele ou ela abandonasse o casamento – quaisquer que sejam as razões.
Tudo que estou dizendo, ao contrário da pressuposição de Oord, é que certamente existem possíveis circunstâncias, que todos podemos imaginar, onde o amor verdadeiro intervém, unilateralmente, para controlar o amado, sem o consentimento dele ou dela. Então eu me afasto de Oord no início, no nível da pressuposição.
Minha segunda pergunta é: o Deus da Bíblia no qual Oord acredita (tanto em Deus e na Bíblia como Sua Palavra inspirada) alguma vez interviu, interferiu, poderosamente e unilateralmente, sem o consentimento das pessoas, para controla-las, a fim de fazer algo acontecer a ele ou ela, que de outra forma não teria acontecido? Oord acredita que não. O seu capítulo final é Milagres e o Deus da Providência. Deixo claro que Oord acredita em milagres. O que ele nega é que qualquer milagre de Deus foi ou seja unilateral, controlado e coercitivo. Vejamos dois dos maiores milagres na narrativa bíblica – dois que Oord acredita que aconteceram: o êxodo e a ressurreição de Jesus. Oord acredita, e tenta explicar, tanto o consentimento como a participação das pessoas envolvidas. Em nenhum dos casos Deus agiu sem algum grau de cooperação das coisas ou pessoas afetadas, declara ele.
É aqui que, francamente, considero as explicações dele tortuosas. Na verdade, elas se tornam tão extravagantes e obscuras que eu não as imagino como verdadeiras. Por exemplo, no êxodo de Israel do Egito, Oord sugere que Deus conhecia de antemão o vento que separaria as águas do Mar Vermelho; assim sendo, enviou Moisés para liderar o povo Hebreu até aquele local, justamente na hora certa de caminhar através do Mar em terra seca. Alguém pode perguntar: com que frequência esse fenômeno aconteceu? Por exemplo, no caso do corpo de Jesus ressuscitado, Deus o fez viver novamente para nova vida, vida imortal, com o consentimento do próprio Jesus. Sendo verdade, suponho que alguém pode argumentar e crer, mas ainda deve-se questionar sobre todas as outras circunstâncias ao redor e incluídas no evento da ressurreição. Mas nos atentemos à outra ressurreição: a de Lázaro. Jesus obteve o consentimento de Lázaro antes de ressuscitá-lo? Em determinado ponto, Oord menciona que o consentimento de alguém pode ocasionalmente substituir o consentimento da pessoa diretamente afetada pelo ato divino (quando o consentimento delas é impossível). Aqui parece ser o caso. Contudo isso é consistente com toda a tese de Oord? E se Lázaro não quisesse ser ressuscitado?
De quem Jesus obteve consentimento para tornar água em vinho?
Há todos os eventos bíblicos nos quais Deus aparentemente agiu (ou agirá conforme profetizado) resultando em grande dano para as pessoas: o dilúvio nos dias de Noé, a morte de Ananias e Safira (Atos 5), o julgamento e punição dos anjos rebeldes e dos pecadores no fim dos tempos.
Chega. Honestamente, eu simplesmente não acho que o ponto de vista de Oord sobre os milagres funciona à luz de todas as histórias de milagres da Bíblia. Do que leio na Escritura, Deus não precisa do consentimento ou cooperação das pessoas para agir poderosamente – até mesmo com milagres. No fim, parece-me que a crítica de Oord ao meu ponto de vista – inconsistências explanatórias – se volta contra ele mesmo, na medida em que ele acredita em todos os milagres da Bíblia ou nos do Novo Testamento, e na proporção em que ele crê que Deus agirá poderosamente no fim dos tempos, para derrotar o mal e estabelecer o governo do Seu reino.
Respeito as intenções de Oord; eu simplesmente não acredito que as exposições dele funcionem como modelo da providência bíblica. Nem acho que elas sejam necessárias. Admito, por exemplo, que o motivo pelo qual Deus intervém para curar uma pessoa em alguns casos, mas não em outros, é realmente um mistério. Todavia não acho que Deus seja arbitrário. Concordo com E. Frank Tupper em seu magistral A Scandalous Providence: The Jesus Story of the Compassion of God (Mercer University Press), que, em todos os casos de tragédias e sofrimento de inocentes, Deus “faz tudo que pode fazer”, dada as particularidades da circunstância. Juntar-me-ia a Greg Boyd, em Deus é Culpado?, que somente Deus conhece as leis que governam suas intervenções, mas há leis que, se nós as conhecêssemos e entendêssemos, explicariam tudo.
Claramente discordo com o modelo da providência divina proposto por Oord, assim como ele discorda do meu. E como ele coloca meu ponto de vista junto com o de Cottrell e Plantinga, em um modelo denominado capacita e sobrepuja, então eu colocaria o modelo dele em uma categoria e a chamaria de teologia do processo, mesmo não sendo exatamente como as dos teólogos dessa teologia (Cobb, Griffin, etc). Suspeito que Oord embriagou-se profundamente nos poços da teologia do processo e está tentando talhar uma ideia da providência divina que não vá tão longe como essa teologia, mas satisfaz a todas as questões básicas dela. A preocupação básica que dirige a ideia de Oord e dos teólogos do processo é: por que Deus não intervém poderosamente para impedir o mal acontecer? Mas tanto para Oord, como para os teólogos do processo, a resposta que eles estabelecem custa muito em termo da liberdade e poder de Deus.

Entretanto, havendo exposto isso, diria ainda que não considero a opinião de Oord heresia. Ele a interrompe bem próximo do que julgo heresia na teologia do processo – panenteísmo, a dependência que Deus tem do mundo para efetivamente ser (em oposição a potencialmente ser). Se me perguntassem, eu votaria na ideia de Oord como consistente com a teologia bíblica-evangélica cristã, mesmo que eu considere que ela seja errada vai bem longe em direção à teologia do processo. Para mim, o modelo de Oord é apenas um passo de bebê em direção à teologia do processo, mas não é culpado da heresia que faz dela não ser bíblica, não evangélica e mesmo não cristã.

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