Introdução
O debate sobre a eleição incondicional continua a ser uma das discussões mais intensas dentro da teologia cristã. Entre calvinistas e arminianos, o texto de Marcos 4.11–12 é frequentemente citado para defender ideias de predestinação e exclusão divina. No entanto, esta passagem, quando lida cuidadosamente e dentro do seu contexto, oferece uma perspectiva distinta: não de uma predestinação arbitrária, mas de uma resposta humana à revelação divina.
Neste artigo, vamos analisar esse trecho à luz da teologia arminiana e refletir sobre como ele expressa a realidade da graça preveniente, da liberdade humana e do sinergismo na salvação.
O Texto em Questão
"Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles." (Marcos 4.11–12, ARA)
À primeira vista, essas palavras podem parecer duras, como se Jesus estivesse deliberadamente impedindo que certas pessoas compreendam e sejam salvas. Mas será isso mesmo? Ou será que há uma intenção mais profunda, ligada ao coração e à resposta de cada um à mensagem do Reino?
"De dentro" e "de fora": uma distinção de resposta
Jesus faz uma distinção clara entre dois grupos: os "de dentro" — que recebem a explicação dos mistérios — e os "de fora" — que ouvem apenas por parábolas. Mas essa divisão não é baseada em uma eleição oculta. Na verdade, ela surge da atitude diante da Palavra. Aqueles que permaneceram com Jesus após a multidão dispersar (cf. Mc 4.10) demonstraram desejo de aprender. Foram eles que buscaram entendimento e, por isso, receberam mais luz.
John Wesley, teólogo arminiano, comenta que Deus apenas confirmou a cegueira espiritual daquelas pessoas que já haviam decidido rejeitar a verdade. Isto é, Deus não os cegou arbitrariamente, mas entregou-os à condição que eles próprios escolheram.
A função das parábolas
As parábolas têm um duplo propósito: revelar e ocultar. Elas revelam aos que têm fome espiritual e desejam compreender; mas ao mesmo tempo, funcionam como juízo para os indiferentes. Essa dinâmica se alinha com o padrão profético visto em Isaías 6.9–10, citado aqui de forma implícita.
Isso mostra que a intenção de Jesus ao falar por parábolas não era excluir, mas provocar. As parábolas exigem uma resposta — quem busca, entende; quem se afasta, permanece no escuro por sua própria decisão (cf. Atos 13.46).
O solo e a semente: a responsabilidade humana
A explicação da parábola do semeador (Mc 4.13–20) reforça esse ponto. A Palavra (semente) é espalhada por igual, mas os solos (corações) variam. A frutificação depende da forma como a Palavra é acolhida. Aqui, vemos um exemplo claro de sinergismo: Deus age primeiro (graça preveniente), mas o ser humano precisa responder.
O mistério revelado aos que permanecem
Jesus afirma que os mistérios do Reino são revelados apenas aos "de dentro". Isso não é favoritismo divino, mas um reflexo da resposta ao discipulado. Quem busca, encontra. Vemos essa lógica também em Mateus 7.6 e no episódio da mulher cananeia (Mt 15.26–28): a revelação é aprofundada na medida em que a fé se manifesta.
Conclusão
Marcos 4.11–12, longe de apoiar uma doutrina de eleição incondicional, ressalta a responsabilidade humana diante da Palavra. A graça é oferecida a todos, mas somente aqueles que respondem com fé e perseverança entram nos mistérios do Reino.
A eleição, portanto, não é uma barreira invisível, mas uma realidade espiritual moldada pela resposta ao chamado divino. O texto de Marcos nos convida a sermos "de dentro": a buscarmos, permanecermos e frutificarmos na luz da Palavra.
Referências para aprofundamento:
WESLEY, John. Notas Explicativas do Novo Testamento. Ed. Vida, 2000.
PINNOCK, Clark. Grace Unlimited. Bethany House, 1975.
OLSON, Roger E. Arminian Theology: Myths and Realities. IVP Academic, 2006.
MARSHALL, I. Howard. Kept by the Power of God. Epworth Press, 1969.
OSBORNE, Grant R. The Hermeneutical Spiral. IVP, 2006.
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